DOI: 10.18441/ibam.21.2021.78.201-222

 

 

 

 

BRASIL: LOS RIESGOS Y EL IMPACTO DEL BOLSONARISMO MÁS ALLÁ DE LA PANDEMIA

BRAZIL: THE RISKS AND IMPACT OF BOLSONARISMO BEYOND THE PANDEMIC

Leonardo Bandarra / Emerson U. Cervi / Enrique Carlos Natalino / Leonardo Bandarra / Janaina Maldonado / Miriam Duarte / Fábio Pereira

INTRODUÇÃO

Há menos de uma década, o Brasil estava em plena ascensão. Era uma das maiores democracias do mundo, com instituições consolidadas e uma economia em franco crescimento, movida pelo sucesso da estabilização econômica dos anos 1990 e pelo boom das commodities dos anos 2000. Consecutivos governos progressistas projetavam a imagem de um país aberto e inclusivo, uma superpotência ambiental com pretensões de liderança global. Essa ascensão não passou, porém, de uma miragem. Protestos massivos varreram o país a partir de 2013 e evidenciaram já conhecidos problemas estruturais da sociedade brasileira, incluindo a desigualdade social, o racismo, o classismo, o clientelismo, e a violência urbana. O midiático escândalo de corrupção de proporções gigantescas conhecido como Petrolão (ou Operação Lava Jato) expôs a já conhecida fragilidade do sistema político-partidário brasileiro e fortaleceu o sentimento anti-establishment, incorporado na rejeição ao Partido dos Trabalhadores (PT), no poder desde 2003. A polarização política ganhou força e mostrou a sua cara nas eleições de 2014, que, por uma pequena margem, reelegeram um governo crescentemente impopular, rapidamente derrubado por um controverso processo de impeachment.

A crise política atingiu o ápice em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, até então um obscuro e pouco relevante deputado federal de extrema-direita conhecido por ideias autoritárias e pela agenda corporativista justo às forças armadas e policiais. O governo Bolsonaro aprofundou as tensões sociais e políticas existentes na sociedade brasileira. Sob Bolsonaro, o Brasil apresentou uma das piores respostas mundiais à pandemia de Covid-19, cuja má gestão e fortes indícios de corrupção estão sendo atualmente investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Nacional. Ao mesmo tempo, o governo federal patrocina uma política ativa de destruição institucional nas mais diversas áreas, desde o meio-ambiente até política exterior e segurança pública.

O presente Fórum traça padrões e movimentos que caracterizam o Brasil atual e que tendem a prevalecer nos próximos anos. Os temas aqui abordados abordam o atual contexto brasileiro para além do combate à pandemia, englobando tópicos latentes da política brasileira, os quais foram grandemente impactados e amplificados pelo atual governo. Eles abarcam as características pessoais e a trajetória política do atual presente da república, as rupturas inéditas na política exterior, a ascensão da ideologia armamentista, e a violência policial nas favelas. Sob distintos enfoques, os quatro artigos deste fórum ilustram padrões de comportamento e ação política que definem o governo atual e que devem continuar a impactar a vida política brasileira nos próximos anos.

Na primeira análise, Emerson Cervi analisa a trajetória profissional de Jair Bolsonaro e o processo que possibilitou ao então pouco expressivo deputado federal incorporar os descontentamentos de parte da sociedade brasileira com a classe política. Cervi destaca duas personalidades do presidente, as quais colidem, mas também se complementam na maneira aparentemente caótica de governar: (1) o Bolsonaro corporativista, um político profissional pouco expressivo ligado ao Centrão e que convive com a corrupção; (2) o Bolsonaro agitador social, um representante de uma reacionária do conservadorismo com discurso personalista e contra políticas sociais e direitos das minorias.

A segunda análise, escrita por Enrique Natalino, aborda a face internacional do governo Bolsonaro. Segundo Natalino, o presidente patrocinou uma política externa de ruptura com a larga tradição diplomática estabelecida na história brasileira. Essa ruptura é baseada no alinhamento ao governo Trump em Washington e em um tom retórico conspiracionista, o qual evoca fantasmas como comunismo, esquerda, e marxismo cultural.

A terceira e a quarta análises abordam temas de segurança pública, os quais foram determinantes para a eleição de Bolsonaro. Bandarra pergunta o porquê da obsessão de Bolsonaro com as armas de fogo, o símbolo principal de sua campanha presidencial. Seu principal argumento é que essa política se justifica principalmente por razões dogmáticas, bem como por uma estratégia eleitoral visando a 2022. O autor traça as origens da política brasileira de desarmamento e situa o seu argumento com base nos decretos de flexibilização de armas emitidos no carnaval de 2021.

O último artigo, por Janaína Maldonado, Miriam Duarte e Fábio Pereira explora as narrativas bolsonaristas sobre segurança pública, com ênfase nas ações policiais nas favelas. Sua análise cobre os significados sobre elementos corriqueiramente presentes no discurso político de grupos que apoiam o presidente, como os conceitos de “cidadão de bem”, “marginais” e “bandidos”, usados como forma de justificar ações violentas nas regiões mais pobres e desumanizadas das cidades brasileiras. As autoras e o autor exploram, além disso, como os essa narrativa é usada para retroalimentar o ciclo de desigualdade e violência que caracteriza as populações mais vulneráveis.

Leonardo Bandarra

AS DUAS FACES DE BOLSONARO

O texto apresenta uma descrição do histórico político de Jair Bolsonaro desde a saída do Exército, com eleição para vereador, até a chegada à presidência da república. O objetivo é demonstrar como o político oscilou entre um militar agitador em favor dos direitos de classe até um político de baixo clero que atuava de forma corporativista junto ao Estado, até voltar ao perfil agitador social como estratégia eleitoral. Para ele, a campanha presidencial de 2018 começou quatro anos antes, quando percebeu que discurso e posições públicas radicais e polêmicas vinham ganhando respaldo social. Contou com o histórico descrédito das instituições representativas e com a conjuntural campanha anti-política de combate à corrupção encabeçada pela força-tarefa do Ministério Público, a Lava jato, e pelos principais meios de comunicação brasileiros. Depois de eleito presidente da República, o governo, a partir de 2019, é o lugar em que as duas faces de Bolsonaro se encontram e, em função das oposições entre elas, há tanta instabilidade política.

Jair Bolsonaro oscila entre uma figura pública apagada e um agitador social que só consegue sobreviver em conflito. A segunda figura, predominante desde 2014, é, na verdade, uma retomada da personalidade que existia antes dele entrar na política. Em 1986 Jair Bolsonaro era capitão do Exército, cursando a escola de aperfeiçoamento de oficiais. Nunca foi um militar destacado intelectualmente, nunca esteve entre os melhores da turma, a não ser em provas e atividades físicas. Daí, como estratégia de sobrevivência, começou a surgir o Bolsonaro radical. Sob a justificativa de reivindicar melhores soldos, envolveu-se em atividades consideradas irregulares pelo código de conduta militar. Publicou artigo em revista de circulação nacional reclamando dos baixos salários dos militares. Foi julgado por quebra de disciplina e condenado a 15 dias de prisão. Um ano depois foi acusado de participar de um plano para desestabilizar os quartéis. Apesar das negativas, em primeira instância a decisão foi pela sua expulsão da corporção. Já no Superior Tribunal Militar (STM) houve reversão da decisão e ele foi mantido na carreira militar, embora tenha sido impedido de continuar na escola de aperfeiçoamento de oficiais do Exército brasileiro. Sua carreira militar estava estagnada e as chances de avançar eram muito baixas. Então, em 1988, candidatou-se e foi eleito vereador do Rio de Janeiro, saiu do exército e começou uma nova fase: a do Jair Bolsonaro defensor de interesses corporativistas sem confronto e com baixa visibilidade pública.

Dois anos depois, em 1990, o então vereador foi eleito deputado federal para seu primeiro mandato. Nos 28 anos seguintes ele seria um parlamentar de baixo clero. Suas atividades de representação limitavam-se na maior parte das vezes a fazer a representação de interesses corporativos de militares e policiais junto ao Poder Executivo. Apesar de ser um parlamentar identificado com a pauta da segurança pública, contra o avanço de leis que preservem os direitos humanos, entre 1990 e 2014 nunca liderou as discussões sobre estes e outros temas presentes na pauta conservadora do parlamento brasileiro.

O Portal da Câmara dos Deputados registra cinco propostas com a participação do então deputado Jair Bolsonaro que foram aprovadas e transformadas em algum tipo de norma jurídica. Foram cinco projetos que viraram lei em 28 anos de mandato. Em quatro deles a autoria era coletiva e Jair Bolsonaro aparece como um dos autores, não o principal. O único projeto de lei de autoria exclusiva do deputado Jair Bolsonaro que se transformou em lei foi o PL 2514/1996, que estabelece benefícios fiscais para o setor de informática. Dentre os projetos em que ele aparece como um dos autores, se destaca uma proposta de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em 2005, para investigar organizações criminosas que atuavam no tráfico de armas; e uma emenda constitucional de 2003 que permitia a militares acumularem remuneração quando desempenharem atividade na área de saúde.

Entre 1991 e 2014 Bolsonaro foi o deputado federal de pouca expressão. Excetuando aparições esporádicas em entrevistas aos Meios de Comunicação, quando dizia algo polêmico, ele era um político apagado. Dentre as polêmicas manifestações em entrevistas concedidas no período estão um elogio a Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela; uma menção de que a ditadura militar brasileira matou pouco entre 1964 e 1985; ou que o então presidente Fenando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado. Nenhuma delas com repercussão que fosse além dos 15 minutos de atenção.

Nos 28 anos de mandato parlamentar, excetuando seu último mandato (entre 2015-2018), ele foi filiado a quatro partidos políticos. Inicialmente no PDC (Partido Democrata Cristão), desde a eleição em 1990 até 2003. Então, se filiou ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Em 2005 migrou para o PFL (Partido da Frente Liberal) apenas por alguns meses e no mesmo ano transferiu-se para o PP (Partido Progressista), onde permaneceu até 2016. Já em seu último mandato como deputado federal e nos preparativos para a campanha presidencial, Jair Bolsonaro trocou o PP pelo PSC (Partido Social Cristão) em 2016, onde permaneceu até 2018, quando se filiou ao PSL (Partido Social Liberal) próximo do fim do prazo de filiações para candidaturas naquele ano. Destes partidos, o PDC não existe mais e o PFL se transformou em DEM (Democratas). Apesar do grande número de siglas, todas elas integram um grupamento informal no parlamento brasileiro chamado de “Centrão”. São partidos de viés de direita ou centro-direita que abrem mão de seus princípios ideológicos para se aproximar e integrar o governo do momento, seja ele qual for. O Centrão fez parte dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. É peça fundamental para a viabilidade política do governo Bolsonaro. O Centrão é principalmente fisiológico, embora tenha uma matriz ideológica bem definida.

O que fez Bolsonaro deixar de ser deputado de baixo clero do grupo de partidos fisiológicos que compõem o Centrão para se transformar em um líder social em 2018 em defesa de valores morais, do combate à corrupção no setor público? Em 2014 Bolsonaro virou a chave e assumiu novamente a postura do militar radical do final dos anos 1980. O combustível para dar visibilidade às causas defendidas por ele a partir de então foi a Operação Lava Jato. Uma força tarefa do Ministério Público Federal montada para investigar corrupção na Petrobras, se transformou no maior evento público de denúncia pública contra políticos e outros agentes públicos, além de empresários. A Lava Jato era pauta diária nos meios de comunicação e o viés era negativo para as instituições representativas.

O juiz responsável por julgar as denúncias do Ministério Público, Sérgio Fernando Moro, passou a dar visibilidade a julgamentos de políticos. Os partidos do Centrão, que integravam o governo do PT, foram os mais atingidos. O PP foi o partido que teve mais políticos acusados e sentenciados no âmbito da Lava Jato entre 2013 e 2018. No entanto, o foco das atenções recaía no PT e na sua principal liderança, Lula. Esse tipo de cobertura, chamada de Jornalismo de Campanha, feito pelos Meios de Comunicação brasileiros sobre a Lava Jato teve um duplo efeito: por um lado colocou em destaque a pauta moral, materializada inicialmente no combate à corrupção; por outro, enfraqueceu de maneira geral o sistema político e os partidos como representantes legítimos das demandas da sociedade.

Jair Bolsonaro percebeu as mudanças já em 2014, em sua sétima campanha para deputado federal. Entre 1990 e 2010 Bolsonaro apresentou um desempenho eleitoral que tendeu a variar para baixo entre os deputados eleitos pelo Rio de Janeiro. Na primeira eleição, em 1990, ele obteve 67 mil votos, representando 1,7% do total e ficou na sexta colocação entre os eleitos. Na eleição seguinte, em 1994, sua votação melhorou. Passou a 111 mil votos, com 2,5% do total, tendo sido eleito com terceira melhor votação. A partir de então ele passou a apresentar quedas em suas votações. Em 1998 foi reeleito com 102 mil votos, 1,4% do total, e na 21ª posição entre os eleitos. Em 2002 fez 88 mil votos, 1,1%, e 14ª posição. Em 2006 começou a retomada, com 99 mil votos, 1,2% e 14ª posição entre os eleitos pelo Estado do Rio de Janeiro. Em 2010 ele teve 120 mil votos, com 1,5%, e 11ª posição. Mas foi em 2014 que se percebe a grande diferença. Naquele ano ele chegou a 464 mil votos, representando 6,1% do total, tendo sido reeleito para sétimo mandato de deputado federal com a maior votação do Estado do Rio de Janeiro. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro.

A diferença na votação em 2014 indica uma mudança no comportamento do eleitor em relação ao candidato. Isso fez com que Bolsonaro, em 2015, voltasse a ser o político radical e polêmico com visibilidade pública que tinha se perdido nas duas décadas anteriores. Iniciou o mandato defendendo a polêmica reforma legislativa para redução da maioridade penal no Brasil. A proposta que previa que a maioridade passaria de 18 para 16 anos tramitava na Câmara dos Deputados há duas décadas, sem sucesso. Na legislatura de 2015 a 2018 os parlamentares da bancada religiosa, conservadora e da polícia, das quais Bolsonaro fazia parte, conseguiram recolocar o projeto na pauta, votaram e aprovaram. O projeto seguiu para o Senado Federal, onde ainda aguarda deliberação. Além da pauta moral, Bolsonaro também se notabilizou no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Como a votação de impeachment não pode ser secreta, os deputados tinham que expressar seus votos, um a um, no microfone do plenário. À sua vez, Bolsonaro votou pelo impeachment e ofereceu o voto ao coronel Carlos Brilhante Ustra, primeiro militar brasileiro condenado pela prática de tortura durante a ditadura militar.

O apoio à pauta conservadora, a aproximação à bancada evangélica e as manifestações polêmicas em plenário foram apenas uma parte da estratégia de visibilidade pública montada por Bolsonaro como estratégia para a candidatura de 2018 à presidência. Ele precisava transpor os limites da esfera política. Para isso começou a participar de programas de entrevista na televisão aberta. Os mais populares eram os seus preferidos. Sempre com manifestações polêmicas envolvendo o combate à criminalidade pela “morte de bandidos”, seja por manifestações machistas ou homofóbicas. Em 2017 ele foi o deputado federal com maior tempo na televisão aberta do Brasil. No programa humorístico CQC ele era quase pauta fixa semanal.

O contexto vinha sendo montado pela Lava Jato desde 2013. O discurso antipolítica, com criminalização dos políticos e partidos, além da prisão do principal pré-candidato, Lula, abriu espaço para uma candidatura anti-stablishment e personalista. Ainda assim, ninguém levava a candidatura de Bolsonaro a sério no início de 2018. Tanto que todos os partidos do Centrão decidiram apoiar o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, para a presidência da república naquele ano.

A política não acreditou em Bolsonaro, mas ele acreditou que teria apoio social. Ou pelo menos de segmentos relevantes da sociedade. A base eleitoral de Bolsonaro em 2018 foi heterogênea. Reuniu classes populares temerosas da crise econômica que já as atingia; segmentos conservadores em todas as classes sociais, identificados pelo evangelismo pentecostal e militares; além de conservadores de classe média adepta do discurso anticorrupção, que se define a si mesma como liberal na economia e conservadora nos costumes.

O contexto fez Bolsonaro se tornar candidato viável ao longo da campanha de 2018. Ele era o mais identificado como a antítese das políticas de inclusão social e direitos das minorias com grande visibilidade naquele momento. A política identitária progressista, necessária para ampliação de direitos, gerou como consequência uma contra-política, também identitária, como reação às prioridades públicas daquele momento. E o líder do reacionarismo radical tinha sido moldado na opinião pública brasileira nos três anos anteriores.

A oposição entre dois movimentos identitários ficou evidente na reta final do primeiro turno da campanha de 2018. Em um sábado, na segunda quinzena de setembro, um movimento organizado por mulheres, sem lideranças institucionalizada, denominado #elenão, agendou passeatas em centenas de cidades. As manifestações foram contra o discurso machista e conservador, de restrição aos direitos das mulheres, presente nas falas de Bolsonaro. Nos dias seguintes os líderes das principais denominações evangélicas neopentecostais formalizaram apoio à candidatura de Bolsonaro, em boa medida como resposta à marcha das mulheres. A partir da adesão dos bispos e pastores as intenções de voto em Bolsonaro cresceram e se descolaram do segundo colocado. Até o Centrão abandonou Geraldo Alckmin no final do primeiro turno.

Bolsonaro não criou o bolsonarismo. Ele foi o primeiro a conseguir cristalizar na política um discurso social difuso e, até então, sem capacidade de transpor dos limites de grupos conservadores. Ao contrário, até Bolsonaro, os princípios do bolsonarismo machismo, racismo, homofobia, xenofobia e aporofobia– não eram bem vistos em público, nem na forma de piadas. Embora tivessem potencialmente presentes.

O governo Bolsonaro é o espaço em que as duas faces do presidente, separadas no tempo até então, se encontram, ou melhor, colidem. Elas são regidas por princípios opostos. Por isso não é possível estabilidade e previsibilidade no governo. Pelo menos até que uma delas consiga sepultar definitivamente a outra. O risco, nesse caso, seria maior do que as consequências políticas negativas da instabilidade política e social.

Uma parte da sobrevivência política de Bolsonaro é a antítese da estabilidade do governo. Está contida na face do agitador social. Daquele que cotidianamente infla com discursos radicais, e muitas vezes descolados da realidade, suas bases de apoiadores. Para isso ele precisa confrontar outros poderes, principalmente o Judiciário. É a parte que impede o governo de funcionar com previsibilidade, dificulta a implementação de política, inclusive as de cunho conservador, e não permite a realização de promessas de campanha – como a das privatizações generalizadas para redução do tamanho do Estado. A não redução do tamanho do Estado é promessa não cumprida porque é contrária à outra parte de Bolsonaro: a do corporativismo. O combate à corrupção tem limites, pois o governo precisa contar com políticos tradicionais, inclusive os partidos fisiológicos do Centrão, para manter-se em pé. Os escândalos sobre os desmandos no Ministério da Saúde para compra de vacinas contra Covid-19, revelados pela CPI da Pandemia, mostram como o fisiologismo e corrupção continuam onde sempre estiveram. Além disso, o corporativismo defendido por Bolsonaro na maior parte de sua carreira parlamentar depende de um Estado grande e presente para gerar resultados.

Em outras palavras, há um Bolsonaro político tradicional do baixo clero de partidos fisiológicos do Centrão que defende pautas corporativistas e benefícios para segmentos específicos da sociedade, em especial os militares, que aceita conviver com corrupção, como demonstram as investigações da CPI da Pandemia. Mas também há um Bolsonaro agitador social, representante de um pensamento conservador, com discurso personalista e anti-stablishment, contra corrupção, contra políticas de equalização e direitos de minorias. Foi graças ao segundo que o primeiro chegou à presidência. É por conta dos compromissos e práticas do primeiro que o segundo não consegue concretizar as promessas de campanha. É como descreve Robert Louis Stevenson um clássico do século xix, “O estranho caso de Dr. Jekill e Mr. Hyde”. Duas personalidades que se opõem, mas que dependem uma da outra para sobreviver.

Emerson U. Cervi

Ideología y pragmatismo en la política exterior de Jair Bolsonaro

El libro Brasilien, Land der Zukunft (“Brasil, el país del futuro”), del escritor Stefan Sweig (1881-1942), es una de las interpretaciones históricas más importantes de Brasil. El intelectual austríaco era una celebridad mundial exiliada en Brasil a principios de la década de 1940 y huía de la persecución de los judíos en Europa por parte de los regímenes nazi-fascistas. Stefan Sweig plasmó en su obra uno de los mitos fundadores de la nación brasileña: la creencia de ser el “país del futuro”.

En las últimas tres décadas el futuro parecía haber llegado por fin. Brasil ha logrado avances considerables en la estabilización económica, una mejora de los indicadores de desarrollo humano y se ha convertido en un actor respetado en áreas como el medio ambiente, la cooperación internacional, la salud pública y los programas sociales. En el contexto regional, ha sido un promotor de la paz y del desarrollo en América del Sur. La visión de Brasil como un país latinoamericano y en desarrollo, con una matriz étnico-cultural diversa, define la realidad imaginada por los brasileños en su inserción global.

A través de una diplomacia no confrontacional y moderadora de conflictos, implementada por un cuerpo diplomático profesional, Brasil ha buscado proyectarse como un actor global. La credibilidad brasileña fue reforzada por la participación diplomática en las Grandes Conferencias de las Naciones Unidas (ONU) en temas como el medio ambiente, los derechos humanos, las poblaciones, el comercio internacional y los derechos de las mujeres. Esta proyección de los valores de una sociedad moldeada en el mestizaje, en la convivencia con las diferencias y en la búsqueda del desarrollo como gran aspiración nacional fortalece el espacio de liderazgo de Brasil en el escenario global.

Al defender el desarme nuclear, la combinación de iniciativas para mitigar los efectos del calentamiento global y la expansión de los esfuerzos para enfrentar los problemas del terrorismo y el narcotráfico, la política exterior brasileña ha buscado proyectar, en las relaciones internacionales, los múltiples valores de una sociedad que valora la tolerancia como pilar de un mundo más pacífico y justo.

La capacidad de incidir en la agenda internacional se basó en la proyección de una hegemonía benigna en América del Sur, buscando preservar la autonomía nacional y la no injerencia de otras potencias en el espacio de proyección histórico de Brasil. El fin de las tensiones con Argentina, la creación del Mercosur y la promoción de la integración sudamericana maximizaron la proyección de los intereses brasileños. La heterogeneidad y pluralidad de América Latina brindan puentes naturales entre Brasil y los pueblos de la colonización ibérica con algunos desafíos socioeconómicos similares, indispensables para unir a las democracias a través de estrechos vínculos económicos y valores políticos comunes, además de catalizar el cambio en el orden internacional.

Sin embargo, en los últimos diez años se ha producido un notable deterioro de la capacidad de proyección internacional de Brasil, como consecuencia de la peor crisis económica y política de los últimos tiempos. La llegada al poder, por votación, en 2018, de un presidente de la República que defiende las dictaduras militares y que ataca las bases institucionales de la democracia representa uno de los momentos más controvertidos de la historia brasileña. ¿Cómo puede un país avanzar hacia el futuro retrocediendo el reloj en la historia hasta 1964, como si el mundo todavía viviera la Guerra Fría?

Jair Bolsonaro nunca elaboró pensamientos o proyectos de política exterior antes de ganar las elecciones de 2018. Sus posiciones sobre el papel de Brasil en el mundo se resumieron en frases disparejas contra el “comunismo” y la “izquierda bolivariana” durante la campaña presidencial. El escritor Olavo de Carvalho, una especie de gurú intelectual del movimiento bolsonarista, defendió una política exterior que encarnaba los valores conservadores de la sociedad brasileña. Sin un programa estratégico, la política exterior de Jair Bolsonaro se basa, sobre todo, en el intento de emular las ideas y el comportamiento del expresidente estadounidense Donald Trump. El alineamiento político-militar con Estados Unidos durante la administración Trump, la aceptación de la injerencia del gobierno estadounidense en la crisis venezolana y la disculpa por los regímenes militares violadores de los derechos humanos de las décadas de 1960, 1970 y 1980, muestran un enorme distanciamiento de la diplomacia del presidente Jair Bolsonaro de los valores, ideas y acciones que guiaron la inserción regional de Brasil en las últimas décadas.

La política exterior de Jair Bolsonaro se aleja del pragmatismo tradicional de Itamaraty. En su artículo “Trump y Occidente”, publicado en 2017 en una colección de un instituto de investigación vinculado al Ministerio de Relaciones Exteriores de Brasil, Ernesto Araújo, primer canciller de Jair Bolsonaro, nombró a Donald Trump como el “salvador de Occidente”, amenazado por una élite intelectualizada, globalizada y cosmopolita. Y enumeró como las principales amenazas para Occidente el terrorismo islámico radical y la burocracia de las organizaciones internacionales.

El nombramiento de un canciller sin experiencia en línea con las ideas nacional-populistas mostró la voluntad del gobierno de extrema derecha de debilitar la corporación diplomática y promover un cambio de paradigma en la política exterior. Ernesto Araújo resumió, en algunos eslóganes pronunciados en su discurso inaugural en Itamaraty, en enero de 2019, los principales lineamientos de esta diplomacia, al defender la liberación de Brasil del “alarmismo climático”, del “tercermundismo automático”, de la “destrucción de la identidad de los pueblos” y de la “transferencia de recursos a países no democráticos y marxistas”.

La adhesión acrítica a la agenda diplomática e ideológica del gobierno de Donald Trump, el abandono de posiciones históricas en el campo de los derechos humanos y el medio ambiente, y el acercamiento con líderes de extrema derecha en Polonia y Hungría también representan un cambio radical en la internacionalización de Brasil. Los discursos de los principales actores diplomáticos y las acciones externas del gobierno de Jair Bolsonaro demuestran una subordinación a los valores y acciones que emanaron de la Casa Blanca durante la administración Trump (2016-2021). Además de la ausencia de una política exterior racional, inteligente y autónoma, el gobierno del presidente Jair Bolsonaro ha ido socavando, uno a uno, los principales logros del soft power de Brasil en las últimas décadas: la integración regional, la sostenibilidad ambiental y la defensa del multilateralismo. Cada vez más aislado de las principales discusiones internacionales, la anti-diplomacia de Jair Bolsonaro condena al país a una total irrelevancia en Sudamérica y en el mundo.

Así, el gobierno de Jair Bolsonaro abandonó una larga tradición diplomática centrada en el universalismo, el pragmatismo y la integración regional como pilares de la inserción extranjera brasileña. Los viajes de Bolsonaro durante su gobierno arrojaron pocos resultados concretos, pero mostraron la voluntad del presidente y su equipo de doblar sus apuestas en una agenda internacional que se opone al multilateralismo y la democracia. Con respecto al tema venezolano, por ejemplo, la política exterior brasileña se ha alejado de las tradicionales líneas de conducta de Brasil en el continente. En lugar de ejercer un liderazgo constructivo y moderador frente al conflicto, Bolsonaro apoyó acríticamente las posturas intervencionistas de Donald Trump y debilitó la acción de las instituciones Internacionales en la región.

La ausencia de un programa mínimamente racional y consistente de inserción brasileña en el mundo aleja la política exterior de los principios centrales de la diplomacia brasileña: autodeterminación de los pueblos, no intervención, solución pacífica de controversias, defensa del Derecho Internacional, multilateralismo y universalismo. En las décadas pasadas, la diplomacia brasileña ya ha logrado acercar a los vecinos, unir a los rivales y construir la paz y la integración en América del Sur. Las lecciones de las tradiciones de Itamaraty deben iluminar las reflexiones y decisiones del presente, evitando aún más problemas futuros.

Como señaló el embajador brasileño Rubens Ricupero en una conferencia en el Centro Brasileño de Relaciones Internacionales (CEBRI) en febrero de 2019, “el gobierno de Bolsonaro puede presumir de haber impulsado efectivamente la demolición radical de la política exterior”. Está claro que el presidente Jairo Bolsonaro desperdició sus primeros años en el cargo recolectando controversias dentro y fuera del país. Bolsonaro insistió en el camino de la radicalización retórica, de la negación climática y del enfrentamiento ideológico, evocando fantasmas (comunismo, socialismo, izquierda, marxismo cultural) para sacudir las bases del bolsonarismo, en detrimento de la agenda gubernamental en el ámbito económico, social e internacional.

Brasil abdicó de su autonomía, su identidad internacional y su liderazgo regional al adherirse acríticamente al trumpismo. La desastrosa gestión de la pandemia Covid-19, las paralizadas reformas económicas, el ataque a los pilares de la democracia y la ruptura con las tradicionales líneas diplomáticas muestran que el legado del gobierno de Bolsonaro será ruin. La caída de la popularidad del presidente y su gobierno y la disminución de las expectativas de los agentes económicos sobre la recuperación de Brasil tras la pandemia muestran que el futuro no será fácil.

Los brasileños necesitan paz, estabilidad y armonía para la construcción ordenada de su desarrollo. En septiembre de 2022, Brasil completará un amplio proceso de transformación que se inició en 1808, con el traslado de la Corte portuguesa a Brasil, y que culminó con la formalización del proceso de independencia política en relación a Portugal, en 1822. Las celebraciones de los 200 años de cierre simbólico de la nacionalidad nos llevan a la necesidad de pensar en un proyecto de consenso político para la nación en las próximas décadas.

Brasil debe seguir el ejemplo de naciones que se superaron a sí mismas de su pasado autoritario para construir instituciones sólidas y sociedades democráticas, prósperas y justas, como Japón, Alemania, Portugal, España y Chile. Luego de una década intercalada con crisis política, recesión económica y la elección de un político autoritario cuyo gobierno antepone los logros civilizadores de la nación, los brasileños necesitan repensar su futuro. Brasil no debe aspirar a ser el país del futuro, sino construir su futuro con acciones responsables en el presente.

Enrique Carlos Natalino

UN DESFILE LÚGUBRE: LA IDEOLOGÍA ARMAMENTISTA EN EL BRASIL DE BOLSONARO

En Brasil, hay un dicho popular según el cual el año nuevo solo se inicia después del carnaval. La mayoría de las instituciones públicas, incluidos el Congreso Nacional y las cortes supremas, celebran días festivos. En general, no sucede mucho en el ámbito político. Este año fue diferente. Además del número aterrador de muertes por la Covid 19, resultantes de una política deliberada de diseminación del virus por parte de gobierno federal, las atenciones de los brasileños se volvieron a otro tema: el de las armas.

En medio del silencio fúnebre antes de la llegada de la segunda ola pandémica, el presidente Bolsonaro firmó cuatro decretos presidenciales, los cuales expandieron considerablemente las posibilidades de adquisición y porte de armas de fuegos por ciudadanos civiles, además de reducir la capacidad y viabilidad del control de esas armas por parte del ejército y otros agentes de las fuerzas armadas. Pocas semanas después, partes de eses decretos fueron suspendidas por decisión de la ministra de la Corte Suprema, Rosa Weber, quien las consideró incompatibles con el estatuto del desarme de 2003 (la ley que regula el asunto), el cual solo puede ser cambiado por el Congreso Nacional por medio de otra ley.

¿Por qué esa obsesión del presidente con las armas? Este análisis argumenta que la actual política armamentista brasileña se justifica mayoritariamente por razones dogmáticas e ideológicas, además de ser uno de sus pocos pilares de sustentación para las elecciones de 2022. La ideología aquí es definida como un conjunto de ideas, creencias y valores que conducen la actividad política. Ella puede ser basada en la teoría política y estudios empíricos, o en dogma y consenso común. Esta segunda conceptualización es la que se aplica al caso brasileño actual.

La samba de las armas

La samba es uno de los principales ritmos del carnaval. Ella se basa en un ritmo de percusión constante, normalmente del pandero, alrededor del cual la melodía se construye. En el caso de la política brasileña de armas, el estatuto del desarme de 2003 puede ser comparado a esa percusión. El estatuto es, por un lado, sucesivamente elogiado como uno de los más completos del mundo en términos de regulación y control de armas; por el otro, es criticado por el lobby armamentista como proteccionista y limitante de la capacidad de protección individual.

El desarme, así como la regulación y el control de armas y municiones, son asuntos sensibles en Brasil. Las primeras leyes y directrices nacionales sobre la producción, comercio y el uso de armas de fuego tenían como objetivo incentivar y proteger la industria bélica nacional. Solo fue hasta 1980, todavía durante la dictadura militar, que la adquisición y el uso de armas por parte de ciudadanos civiles fue regulada (“Portaria Ministerial”, nº 1261, de 1980). Una regulación más detallada solo fue establecida después de la redemocratización. Como respuesta al aumento de los niveles de violencia urbana, el gobierno de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) definió medidas para el fortalecimiento y modernización de las políticas de fiscalización con la creación del SINARM, un banco de datos bajo el control de la Policía Federal. Armas de coleccionistas, tiradores y cazadores deportivos (“CACs”), así como de jueces, continuarían siendo, sin embargo, fiscalizadas por el ejército.

Paralelo a eso, especialmente a partir de los años 90, surgieron en Brasil grupos de la sociedad civil presionando por la regulación y el control de armas de fuego como manera de reducir la violencia urbana –como el ISER (“Instituto de Estudos da Religião”), el Instituto Sou da Paz, y la ONG Viva Rio–. El movimiento por el desarme también ganó el apoyo de intelectuales, artistas y cantantes de peso, llevando a la movilización de sectores importantes de la opinión pública ya a finales de 1990. En 1999, el gobierno federal presentó al Congreso una propuesta de ley para regular el acceso y la fiscalización de las armas de fuego. Cuando el presidente Luiz Inácio Lula da Silva inició su gobierno, en 2003, más de 76% de los brasileños eran favorables al control de las armas; en 2019, según datos del Instituto IBOPE, ese número fue de 73% (para un análisis más detallado, mirar Bandeira, Antonio Rangel. Armas para que? O uso de armas de fogo por civis no Brasil e no Mundo, e o que isso tem a ver com segurança pública e privada (São Paulo: Leya, 2019). Ese apoyo fue crucial para la decisión de proseguir con el proyecto de ley en el Congreso Nacional. Ese proyecto ha recibido apoyo de múltiples partidos, pese la resistencia fuerte del frente parlamentario armamentista, conocido como “Bancada da Bala”, del cual participaba el entonces diputado de poca relevancia Jair Bolsonaro.

La ley nº 10.826, también conocida como el estatuto del desarme, fue aprobada por el plenario del Senado Federal en diciembre de 2003. Esa ley determina, entre otros puntos, una edad mínima y criterios para permitir la compra de armas, incluyendo capacidad técnica y psicológica; determina la renovación periódica del registro de armas; concentra los registros y la aprobación de nuevas compras de armas para civiles en el SINARM; establece control e identificación de municiones; prohíbe a civiles cargar armas de fuego fuera de los locales donde las armas son mantenidas; define y caracteriza crimen de tráfico de armas. El decreto que aprobó el Estatuto definió, además, la realización de un referéndum popular sobre el polémico artículo 35, que prohibía la libre comercialización de armas de fuego y municiones en el territorio nacional. En ese referéndum, realizado en 2005, el artículo fue rechazado por 63,94% de la población, contra 36,06%. Desde entonces, el Congreso Nacional realizó más de veinte alteraciones en el texto del Estatuto, especialmente para facilitar el acceso a las armas.

La samba de las armas adquirió, no obstante, tonos más altos en las elecciones de 2018, cuando el entonces candidato Jair Bolsonaro eligió el armamentismo como uno de los principales temas de su campaña. Bolsonaro hizo una campaña populista que ofrecía soluciones simples para problemas complejos, y que elogiaba el período dictatorial, cuando las armas eran poco controladas. Entre otras cosas, afirmó que la solución para la violencia urbana era armar a la población. El candidato de la extrema derecha también realizó una fuerte crítica a los grupos de la sociedad civil, especialmente a las ONG, y al estatuto del desarme, el cual asoció a la clase política tradicional, en especial, al Partido de los Trabajadores (PT) de los expresidentes Lula y Dilma Rousseff. En el gobierno, Bolsonaro implementó una política fuerte de liberalización de las armas, con más de 30 “actos normativos” muchas veces contestados por grupos de la sociedad civil. Desde 2019, el número de registro de armas en manos de civiles ha aumentado en un 65% en relación a los años anteriores.1

Esa política armamentista alcanzó su cúspide con los decretos del carnaval. El Decreto 9845 cambió de cuatro a seis el número de armas que pueden poseer las personas autorizadas. El Decreto 9846 permitió a los francotiradores adquirir hasta 60 armas de fuego, y a los cazadores hasta 30 sin autorización previa del ejército; asimismo, permitió a los CACs transportar sus armas libremente en caso de “entrenamientos, exhibiciones y competiciones”. El Decreto 9.846 otorga a cualquier psicólogo registrado la posibilidad de conceder la prueba de aptitud mental necesaria para adquirir una licencia de armas (antes debían estar registrados con la policía federal). El Decreto 9.847 amplió el número de categorías profesionales autorizadas a portar armas y comprar municiones. El Decreto 10.030, por último, redujo las categorías de armas controladas por el ejército.

Grupos de la sociedad civil llevaran el tema a la suprema corte. Dos meses después, por decisión de la ministra Rosa Weber, trece puntos fueran anulados. Entre esos, se destacan tanto los puntos que debilitaban el papel del ejército en la fiscalización de la compra de armas por los CACs, como el aumento de los límites para la compra de municiones por parte de esos grupos, que en Brasil son más de 400 mil personas. Parlamentarios gobiernistas ya prometieron volver con ese tema después de la pandemia, y el presidente lo enfatiza constantemente en sus discursos.

La competencia de los enredos: el papel de la ideología armamentista en el Gobierno

Bolsonaro fue elegido con un el disfraz de antipolítico y antisistema. Su narrativa política se basó en cuatro pilares principales: (1) la lucha contra la corrupción y la incompetencia; (2) el liberalismo económico; (3) el reaccionarismo social; (4) el armamentismo. Los dos primeros le garantizaron el apoyo de las clases medias y sectores del mercado financiero e industriales, particularmente movidos por el sentimiento anti-PT. El tercero atrajo a sectores emergentes de la sociedad, normalmente asociados a la izquierda, como los grupos evangélicos. El último punto, firmó la posición antisistémica del candidato, poniéndolo en contra los grupos “desarmamentistas” que impulsaron el Estatuto de 2003, y creando un aura militar que prometía resolver el problema de la violencia urbana.

Los tres primeros años de su gestión echaron por tierra los dos primeros pilares y afectaron considerablemente el apoyo a los dos últimos. La presencia de Sérgio Moro –él exjuez que condenó el expresidente Lula y otros políticos por corrupción– en el Ministerio de Justicia mantuvo activo el discurso anticorrupción, incluso ante escándalos como la rachadinha, un desvío de recursos públicos que involucró al hijo del presidente. La credibilidad del discurso anti-corrupción fue fuertemente afectada por la salida de Moro del gobierno, por el pacto con partidos políticos clientelistas tradicionales conocidos por el apodo de centrão, y por la aparición de nuevos casos de corrupción, principalmente la más reciente denuncia de sobrefacturación en la compra de vacunas, especialmente la india Covaxin.

El pilar económico (neo-)liberal, representado por el ministro de la Economía, Paulo Guedes, también se deteriora rápidamente debido al fracaso de las reformas (neo-)liberales, como la promesa de privatizaciones y la pérdida de espacio de Guedes en el gobierno frente a ministros desarrollistas, como Paulo Marinho, ministro del Desarrollo Regional. La interferencia del presidente en la elección del nuevo presidente de Petrobrás, la estatal de petróleo, marcó un punto de inflexión en la pérdida del apoyo de sectores financieros e industriales al gobierno.

Los dos pilares restantes, el reaccionarismo social y el armamentismo son aquellos que, de hecho, se relacionan más fuertemente con la figura del presidente. Esos pilares garantizan el apoyo de entre 15 y 25% de la población, dependiendo del instituto de estadística. El reaccionarismo está más claramente relacionado a la llamada “ala ideológica” del gobierno, representadas por los exministros Ernesto Araújo (Relaciones Exteriores), Abraham Weintraub (Educación), Ricardo Salles (Medio Ambiente), y la ministra Damares Alves (Mujer, Familia y Derechos Humanos). La cantidad de “exministros” en esa lista poco dice sobre el proceso electoral, donde el reaccionarismo deberá ser una de las marcas de la campaña del presidente contra la “izquierda” y los movimientos sociales.

El último pilar, el armamentismo, es uno de los pocos que le quedan al gobierno, y también el único donde el discurso del gobierno no ha cambiado. Como es un tema polarizador, el armamentismo tiende a volverse nuevamente un tema relevante en un contexto de degradación de la agenda que eligió Bolsonaro, de los malos resultados de su gobierno en prácticamente todas las áreas, y, principalmente, del resurgimiento del expresidente Lula como probable candidato alternativo en las elecciones de 2022.

Como se señaló en la introducción, el discurso y la política armamentista de Bolsonaro se basan en aspectos ideológicos e incluso dogmáticos sobre la necesidad de aumentar el número de armas en manos civiles. Esa ideología fue presentada en el plan de gobierno sometido a la justicia electoral (TSE) en 2018 y disponible en el sitio https://divulgacandcontas.tse.jus.br/. La sección “Contra la Izquierda: números y lógica” de ese plan defiende el armamentismo de manera superficial y sin fuentes, e incluso con datos erróneos, como la afirmación de que la mayoría de las casas alemanas tienen armas de fuego –lo que no es verdad, aunque el país de hecho tenga una alta proporción de armas de fuego en relación a la población–. Esa ideología de las armas fue más recientemente resumida por el presidente en una reunión ministerial del día 22 de abril de 2020, la cual fue hecha pública por decisión de la corte suprema. En esta reunión, Bolsonaro afirmó: “¡Yo quiero a todo el mundo armado! [Por]que un pueblo armado jamás será esclavizado”.

El pilar armamentista está basado en cuatro ideas históricamente definidas, como se detalló en la sección anterior de ese artículo. Primero, la noción según la cual la mayor parte de la población rechaza el Estatuto del Desarme de 2003 y quiere armarse. Esa idea es justificada con base en los resultados del referéndum de 2005 sobre la comercialización de armas. Segundo, la idea que el desarme es perjudicial a la industria nacional y a ciertos grupos armamentistas. Este punto busca justificar las iniciativas para aumentar el número de armas permitidas por persona. Tercero, la cooptación de sectores de las policías civiles y militares de bajo rango, en los cuales el presidente sostiene apoyo significante. La posibilidad de cooptación de éstos está, además, evidenciada en dos proyectos de ley apoyados por el gobierno que buscan reestructurar las policías, reducir el control por parte de los gobernadores y crear nuevos niveles jerárquicos semejantes a los de las fuerzas armadas. Cuarto, el combate a la “izquierda” representada por los gobiernos anteriores, principalmente del PT, que fueron asociados a la aprobación de regulaciones a la adquisición y compra de armas, y a movimientos sociales y artísticos, los cuales fueron cruciales para cambiar la opinión pública brasileña sobre las armas. El armamentismo, en ese punto, se vuelve como un recurso discursivo para mantener la polarización y promover un proyecto de poder contra competidores electorales.

Conclusión

Jair Bolsonaro asumió el cargo apoyándose en un fuerte discurso armamentista, desarrollado con una base ideológica y contrario a las medidas de fiscalización y control de las armas. Esa ideología se basa en el discurso según el cual más armas llevarán a mayor seguridad. El último momento de la guerra bolsonarista en favor de las armas ha sido el de los decretos del carnaval, cuyas partes más polémicas fueron anuladas por la Corte Suprema. Aunque solo parcialmente vinculantes, esos decretos demuestran hasta qué punto está dispuesto a llegar el gobierno para promover el armamentismo. Ese movimiento es una reacción al proceso de discusión y activismo de distintas partes de la sociedad civil desde la redemocratización y, principalmente, de la aprobación del Estatuto del Desarme de 2003. También es un efecto adverso del proceso de pérdida de popularidad de las clases políticas tradicionales, especialmente de izquierda, las cuales fueran relacionadas con las políticas de desarme.

El armamentismo es uno de los últimos pilares restantes del programa de la campaña presidencial que elegido Bolsonaro. Debido al desmonte de los otros pilares, especialmente aquellos relacionados a la anti-corrupción y al (neo)liberalismo económico, además de la desastrosa política de diseminación del virus de Covid 19, Bolsonaro y su grupo político tienden a enfatizar las armas como bandera política, principalmente después del esperado fin de la pandemia. El Estatuto del Desarme todavía mantiene su forma actual y responde a sus objetivos iniciales. Su supervivencia, sin embargo, no está asegurada y dependerá de la continua acción de la rama judicial y de los movimientos en el congreso nacional. Mientras tanto, el desfile lúgubre de las armas patrocinado por el gobierno tiende a continuar, de alguna manera, como parte del imaginario colectivo a largo plazo.

Leonardo Bandarra

Sobre los límites de la (des)humanización: notas sobre la letalidad policial en el Brasil contemporáneo

En el primer semestre de 2021, dos masacres fueron noticia en todo el mundo. La primera, la Chacina de Osasco, porque los acusados de su ejecución estaban siendo juzgados. La segunda, la Masacre de Jacarezinho, porque acababa de ocurrir, mostrando la continuidad del fenómeno. Seis años separan los dos episodios y marcan la historia de dos de las mayores metrópolis sudamericanas: São Paulo y Río de Janeiro, ambas en la región sureste de Brasil.

En mayo de 2021, una operación policial en la favela de Jacarezinho se saldó con la muerte de 28 personas. Imagina la siguiente escena: el cuerpo sin vida de un joven negro de cerca de 20 años vestido con pantalones cortos de tactel, una camiseta, chanclas hawaianas y el uniforme morado de una de las mayores empresas estatales del país. Su cuerpo fue encontrado abandonado en una silla de plástico junto a un charco de sangre en una favela de Río de Janeiro. Un detalle llamó la atención, su dedo índice había sido colocado, a propósito, dentro de su boca. La escena de arriba fue fotografiada durante lo que se conoció como la mayor masacre de la historia del estado de Río de Janeiro: la Masacre de Jacarezinho.

Seis años antes, en agosto de 2015, asistimos a la Chacina de Osasco, la mayor masacre de la historia del estado de São Paulo. En total, murieron 23 personas. En febrero de 2021, dos de los agentes implicados en el caso fueron absueltos por un jurado popular. Desde 2015, hemos seguido las luchas por la reparación a los familiares y víctimas de la masacre de Osasco. Al mismo tiempo, hemos seguido de cerca las historias de las ejecuciones en Jacarezinho. Los dos episodios, sus antecedentes y efectos, conducen la reflexión de este ensayo sobre la letalidad policial y los límites de la deshumanización presentes en la violencia estatal. Por último, argumentamos que en ambos casos existe la aparición de un actor clave en la producción de políticas de justicia y memoria sobre estas muertes: los movimientos de madres y familiares de las víctimas.

En los límites de la deshumanización

La operación policial en la favela de Jacarezinho comenzó en la mañana del 6 de mayo de 2021. Según el mando policial, la situación se volvió violenta después de que el inspector André Leonardo de Mello Frias recibiera un disparo en la cabeza. El policía bajaba de su vehículo blindado cuando fue alcanzado por un disparo de autoría desconocida. Según sus operadores, la conversión de una operación –que debería cumplir con los requisitos técnicos y de procedimiento– en una masacre policial estaba justificada: la muerte de un policía en servicio exigía una respuesta de nuestros agentes de seguridad.

El mecanismo, sin embargo, no era nuevo. Años antes, en agosto de 2015, cuatro hombres mataron a 23 personas en bares y calles de la periferia de la región metropolitana de São Paulo. El motivo sería la venganza por la muerte de un policía y un guardia civil ocurrida la semana anterior. Las imágenes de las cámaras de seguridad mostraron a dos hombres enmascarados ejecutando a las víctimas dentro de un bar. Coincidentemente, en la Masacre de Osasco y la Masacre de Jacarezinho, 17 personas fueron asesinadas en un intervalo de dos horas. En ambos casos, los agentes creyeron que estaban encargados de “vengar” la muerte de “uno de los suyos”.

Los dos episodios, sin embargo, presentan diferencias. La más reciente, la masacre de Jacarezinho, fue el resultado de una operación oficial de las fuerzas de seguridad pública. La segunda, la masacre de Osasco, la acción de policías fuera de servicio organizados en grupos paramilitares de exterminio. Esta diferencia tiene importantes implicaciones. Las muertes resultantes de las operaciones son difíciles de responsabilizar, ya que los agentes pueden activar un mecanismo legal llamado “auto de resistencia”. Calificados como resistencia a la acción policial seguida de muerte, los llamados “autos de resistencia” se interpretan legalmente como legítima defensa y su autor se beneficia de lo que el derecho penal denomina exclusión de la ilegalidad. Cuando están fuera de servicio, los agentes pueden ser perseguidos penalmente.

En la historia reciente de las ciudades brasileñas encontramos decenas de ejemplos que varían en un continuo entre uno u otro modo de producción de letalidad policial. Con frecuencia, las operaciones policiales se mezclan con las acciones de los grupos paramilitares. Dentro de este continuo, uno de los ejemplos más emblemáticos son los “Crímenes de mayo de 2006”. La fecha es conocida como la mayor crisis de seguridad pública en São Paulo. En ese mes, la mayor facción criminal latinoamericana, el Primer Comando Capital (PCC), hegemónico en el mundo del crimen de São Paulo, llevó a cabo una serie de ataques contra las fuerzas de seguridad del Estado, causando la muerte de 59 policías. La respuesta no se hizo esperar, en la segunda quincena de ese mes de mayo, la policía de São Paulo mató a 505 personas. La mayoría eran hombres jóvenes, negros y residentes en las periferias urbanas. Por cada agente de policía muerto en esos días, una media de 10 civiles murieron como respuesta.

Los actos violentos cometidos por los colectivos criminales se entienden como una prueba de fuerza. Por ello, reciben como respuesta otra dramática secuencia de acciones violentas por parte de instituciones y aparatos supuestamente respaldados por procedimientos democráticos. En el mundo público, las acciones se justifican como una lucha contra el crimen. Aunque, con frecuencia, producen víctimas sin participación directa en el mundo del crimen. Además, aunque trabajen en mercados ilícitos, el código penal brasileño no prevé ejecuciones.

Según la policía, la operación en Jacarezinho se basó en investigaciones anteriores y, por lo tanto, podría considerarse legal. Sin embargo, el contexto de su ejecución es crucial. Meses antes, el Tribunal Supremo de Brasil decidió suspender las operaciones policiales en los territorios de las favelas de Río de Janeiro, en el contexto de la pandemia de coronavirus. La constitucionalidad de las operaciones se juzgó a través de un recurso legal llamado ADPF (Arguição de Descuprimento de Preceito Fundamental). La ADPF 635, conocida como la “ADPF de las favelas”, fue presentada por un grupo de movimientos sociales de las favelas, investigadores, activistas y políticos para debatir la constitucionalidad de las operaciones policiales en las favelas de Río de Janeiro.

La decisión dictada por el Tribunal Supremo establece que las operaciones sólo se autorizarán en momentos de circunstancias excepcionales. La operación llevada a cabo en la favela de Jacarezinho, denominada Exceptis por el mando policial, puede entenderse como una reacción violenta a la decisión del Tribunal Supremo. La suspensión de las operaciones tuvo como efecto una reducción del 34% de la letalidad policial entre junio de 2020 y marzo de 2021 en el estado de Río de Janeiro. La mayor reducción de la historia carioca. Al mismo tiempo, también se redujeron los delitos contra la propiedad y los delitos violentos.

La letalidad como política

Durante los últimos años de trabajo de campo en las periferias brasileñas, se ha hecho común escuchar la expresión “la favela es sinistra”. Según el Diccionario Aurélio de la Lengua Portuguesa, la palabra sinistra significa algo que causa miedo o incita a cosas desastrosas. La frase tan repetida marca lo que la literatura especializada también anuncia: las transformaciones experimentadas por las periferias urbanas del país en las últimas décadas son intensas. Asesinatos policiales, masacres entre facciones, violencia doméstica y de género, asesinatos de periodistas, políticos y activistas, conflictos ideológicos, entre otros, han marcado la última década.

Si en el imaginario hegemónico es la favela y sus habitantes los que provocan el miedo y, por tanto, deben ser combatidos y disciplinados. Para sus residentes, es el conjunto de situaciones cotidianas rutinarias y perturbadoras lo que les asusta. Entre 1960 y 1980, los estudiosos sostenían que la cuestión social que atravesaba el conflicto urbano brasileño era la necesidad de integración de los pobres. El marco tenía como apuesta que, a través de la inserción en el mercado laboral formal y el acceso a derechos, se podría mitigar un problema social que pasaba por supuestos de integración y cohesión social. Por otro lado, desde los años 80, hemos asistido a un aumento de la inseguridad y a la militarización del orden urbano, a la creciente criminalización de la pobreza y a su instrumentalización por parte de los mercados inmobiliarios y de seguridad privada.

Si la aprobación de la Constitución Ciudadana en 1988, posterior al régimen cívico-militar, impulsó las hipótesis de que la democracia, la participación popular y los derechos sociales y civiles se consolidarían, las periferias urbanas de São Paulo y Río de Janeiro vivieron, en las décadas de 1980 y 1990, la llegada de mercados transnacionales como el de la cocaína ilegal. Junto con la expansión de los mercados ilegales, crecieron progresivamente las políticas de represión y encarcelamiento dirigidas a sus operadores más bajos.

Por lo tanto, la promesa de integración social, si se observa desde las periferias y las favelas, parece no realizarse. Por el contrario, la violencia urbana se convirtió en nuestra principal categoría interpretativa del mundo empírico. Por eso, a partir de la década de 1990 y, con más fuerza, en la década de 2000, la cuestión central para la interpretación del conflicto urbano brasileño pasó a ser la gestión del conflicto violento que tradujo el problema de la pobreza en nuestras ciudades en un conflicto criminal.

Aunque en la década de 2000, las políticas sociales derivadas del gobierno de Luís Inácio Lula da Silva (Partido de los Trabajadores), representaron un paréntesis con la ampliación de la ciudadanía y la mejora de los indicadores sociales (desigualdad de ingresos, etc.) a través de las políticas de vivienda, la participación social en los consejos y la expansión del consumo y el crédito. Las cifras relativas a la seguridad pública y sus efectos sobre las poblaciones más “vulnerables” siguen siendo alarmantes. Especialmente cuando se trata de su población que vive en favelas, periferias urbanas y asentamientos rurales. La mayoría de su población joven, negra y masculina, que ocupa empleos precarios en mercados ilegales, es la que concentra los mayores índices de victimización. En 2021, por ejemplo, del total de homicidios en Brasil: el 91,3% eran hombres, el 76,2% negros y el 54,3% jóvenes.

Así que no es de extrañar que la seguridad pública y la “guerra contra el crimen” se hayan convertido en un tema clave en las últimas décadas, especialmente en el último proceso electoral brasileño (2018). Los gobernadores y el presidente fueron elegidos con promesas de una guerra policial contra los bandidos, con varios discursos sobre “disparar a matar”, apoyados por la esencialización de lo que serían “bandidos” y “buenos ciudadanos”, opuestos en el vértice.

La metáfora de una guerra espiritual que nos dividiría entre los que quieren una patria segura bajo el yugo de Dios y los que estarían en contra de su existencia encuentra apoyo en el proyecto político abrazado por Bolsonaro y sus bases. El proyecto no es universalista. Mediante la instrumentalización de los procesos democráticos en beneficio propio y con una base armada e ideologizada, se ocupa el aparato estatal. Contrario a los principios democráticos, es el despojo de los mercados ilegales y de las instituciones públicas lo que constituye este proyecto de poder.

El proyecto, lejos de ser solo el de una élite política y financiera, encuentra apoyo en las bases militares y religiosas repartidas entre las capas populares. La congruencia de una base institucional armada, el conservadurismo religioso y la insatisfacción de las élites y la clase media con las políticas sociales de reparación racial y de género de la primera década del 2000, alimentan la base social necesaria para el mantenimiento de un proyecto apoyado en políticas de represión, armamento, exclusión y punitivismo que refuerzan nuestras fracturas sociales.

Como efecto de las políticas de militarización del orden urbano, el último Anuario de Seguridad Pública, publicado en julio de 2021, señala un crecimiento del 100,6% desde 2017 en los registros activos de armas de fuego en Brasil y un aumento del 97,1% en un año de las nuevas armas registradas en la Policía Federal brasileña. La promesa, hecha por el proyecto bolsonarista, de apoyo e inversión en políticas policiales y de seguridad, no necesariamente se hace realidad. Por el contrario, parece apuntar a una privatización de la actividad de la seguridad pública y a su individualización mediante la actuación de empresas y milicias privadas.

“Solo queremos sobrevivir porque vivir se nos niega”

Los dos casos presentados tienen en común la aparición de un actor fundamental en la búsqueda de reparación y justicia: los movimientos de madres de víctimas de la violencia estatal. La frase que abre esta sesión fue pronunciada por Eliene Maria Vieira, del Movimiento de Madres de Manguinhos, en la audiencia de la “ADPF de las favelas” en abril de 2021. Su contenido revela los límites de la deshumanización presente en la vida cotidiana de la violencia de Estado y en la interrupción causada por sus muertes. La frase señala el efecto más perverso de la letalidad policial: la negación de la vida y la incerteza de la supervivencia de los que conviven con ella.

Durante la audiencia, un grupo de madres y familiares de niños/as y adolescentes asesinados por las fuerzas de seguridad en Río de Janeiro contaron al juez del máximo tribunal brasileño sus historias, su dolor y sus sueños de justicia. Su interpretación del conflicto incluía el reconocimiento de las desigualdades históricas que atraviesan la vida cotidiana brasileña. Aunque reconocían la necesidad de combatir la violencia de los colectivos criminales, cuestionaban los procedimientos centrados en las ejecuciones y la gestión violenta de los territorios pobres.

En la misma sesión, las fuerzas de seguridad de Río de Janeiro también pudieron posicionarse. Por otro lado, su régimen de interpretación del conflicto ha reposicionado y fracturado nuestro mundo social entre los que hay que proteger y los que hay que combatir. La audiencia fue un lapsus en la aplicación de los principios democráticos en medio de una vida cotidiana violenta. El juicio de los policías implicados en la masacre de Osasco fue muy diferente. Inocentes a través del jurado popular, la estrategia de sus defensores fue la criminalización de los Movimientos de Madres y la reducción de las favelas y sus residentes a territorios de peligro y riesgo. El régimen de interpretación que utilizaron fue similar al enunciado por las fuerzas de seguridad de Río de Janeiro. A pesar de los vídeos y las pruebas recogidas, su interpretación de las funciones del Estado y del mundo social convenció al jurado.

Ante este escenario, ¿qué futuro parece plausible imaginar?

Como demuestran las discusiones en la audiencia de la ADPF, el conflicto no está pacificado. Hay disputa. En este ensayo, se presentan al menos dos caminos. Si, por un lado, el caso brasileño avanza hacia los clamores de más castigo y políticas de seguridad pública más duras (represión violenta de los mercados ilegales, encarcelamiento masivo y militarización del orden urbano). En el mundo urbano brasileño también coexisten y entran en conflicto las políticas de los grupos criminales que gestionan los homicidios dentro del mundo delictivo y, como reacción a ellos, el fortalecimiento de la policía. Por otro lado, además de las soluciones apoyadas en el uso de la fuerza, como el crimen o la violencia estatal, también surgen de este proceso movimientos sociales como las Asociaciones de Madres, así como los intentos de reducir la letalidad mediante el control democrático, entre otras soluciones al mismo conflicto de fondo.

La disputa sobre los significados de la seguridad pública se hace cada vez más evidente. En la narrativa bolsonarista, una congruencia entre bases policiales y bases religiosas, nuestro “Estado” debe garantizar que los “ciudadanos de bien” puedan vivir con tranquilidad y que sus propiedades sean defendidas. Para este proyecto, el “Estado” debe protegernos contra el mal que representan los “marginales” o “bandidos”. La categoría “bandido”, en este caso, está en franca expansión, e incluye los cuerpos de los jóvenes negros de las periferias urbanas, los movimientos sociales de izquierda, los partidos políticos de oposición, los investigadores, etc. Sin embargo, la violencia contra estos grupos está distribuida de forma desigual. Son los cuerpos negros, jóvenes y periféricos, especialmente de los que operan en los mercados ilegales, los que concentran altos índices de letalidad.

Este conflicto alimenta un ciclo de desventaja y acumulación de violencia para las poblaciones más pobres. No obstante, esta narrativa choca en la vida cotidiana con diferentes regímenes de expectativas que coexisten en nuestras periferias. Es decir, si hay deshumanización y alteridad radical, también hay nuevas concepciones y formas de humanidad, desde las más hasta las menos virtuosas desde el punto de vista de la política. Nos parece evidente que, además de la ampliación de los principios democráticos (como el acceso y la transparencia), es fundamental la democratización de las políticas de seguridad y su reconstrucción. Quizá haya que recordar la pista que nos dejan los movimientos por la justicia frente a la violencia del Estado: es posible producir reparación y reconstrucción democrática. Es necesario hacerlo fortaleciendo la memoria y transformando el dolor en afecto y lucha política.

Janaina Maldonado /
Miriam Duarte / Fábio Pereira

SOBRE LOS AUTORES

 

 


1 Véase G1. “Política belicista: armamento em poder de civis ultrapassa 1 milhão”. O Globo, 31 de enero de 2021.