DOI: 10.18441/ibam.22.2022.79.45-61

 

 

 

 

A inteligência do regime militar brasileiro diante da revolução de 25 de abril de 1974

Brazilian Military Intelligence and the Revolution of April 25, 1974

Enio Viterbo Martins

Universidade de Lisboa, Portugal

enio0504@gmail.com ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-4099-3647

Introdução

O regime do Estado Novo português comandado inicialmente por Salazar (1933-1968) e depois por Marcelo Caetano (1968-1974) foi encerrado por um golpe militar em 25 de abril de 1974, quando um movimento organizado por oficiais portugueses, formado principalmente por militares de hierarquia intermediária, derrubou o governo. Embora a literatura portuguesa já tenha realizado a análise da referida transição democrática sob vários aspectos, existe um prisma ainda não explorado que diz respeito a posição (sobre a transição) de um dos países mais próximos de Portugal: o Brasil.

Se inicialmente houve uma aproximação ideológica do Estado Novo português com os governos brasileiros a partir do Estado Novo brasileiro (1937-1945), a relação sofreria abalos principalmente nos governos de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Jânio Quadros (1961). Durante o começo do governo de Kubitschek, o Brasil ainda tentava aproximar-se politicamente de Portugal. O presidente brasileiro indicou um aliado próximo, Álvaro Lins, como embaixador do Brasil em Portugal no começo de 1957. Ainda neste ano, em junho, o presidente de Portugal, Craveiro Lopes, visitou oficialmente o Brasil e o governo brasileiro deu grande publicidade ao feito, considerando-o uma prova das relações amistosas entre os dois países.

Todavia, tal aproximação viu-se ameaçada pelas constantes críticas que o embaixador Álvaro Lins realizava à ditadura portuguesa nos fins de 1958. A situação foi agravada no começo de 1959, quando o militar Humberto Delgado, –talvez o principal nome da oposição ao regime português– , obteve asilo na embaixada brasileira após receber a informação de que seria preso pela Polícia Política de Salazar.

Existe a dúvida na historiografia sobre se a concessão do asilo na embaixada brasileira teve a concordância do presidente da República ou se o embaixador Álvaro Lins agiu por conta própria. O autor Mário Augusto Frasson (2016, 79) afirma que o embaixador do Brasil em Portugal naquele período reportava diretamente ao próprio presidente da República ao invés de seu superior hierárquico formal, o ministro das Relações Exteriores, e que Juscelino Kubitschek incentivava um “personalismo” da posição de embaixador, que deixava o representante brasileiro mais independente para tomar determinadas decisões.

Pouco tempo depois, as relações luso-brasileiras sofreram novo abalo quando o ex-capitão do exército português Henrique Galvão1 e os espanhóis José Velo Mosquera e José Fernández Vázquez, lideraram e executaram o sequestro do navio Santa Maria em 1961. Os rebeldes tinham o objetivo de denunciar as práticas ditatoriais dos países ibéricos na opinião pública internacional. Jânio Quadros, que tinha tomado posse como presidente do Brasil pouco tempo antes do evento, enviou um grupo de representantes do governo para dialogarem com os revoltosos sobre o desembarque de passageiros e reabastecimento do navio em um porto do Brasil, visto que os rebeldes já se encontravam perto do domínio marítimo brasileiro. Uma vez que os rebeldes se entregaram às autoridades brasileiras, Jânio promulgou um decreto que concedeu asilo político aos envolvidos e entregava o navio de volta ao governo português. Mota Belo (2009, 91) explica como o governo brasileiro demonstrava publicamente a indisposição com o regime de Salazar:

O Governo brasileiro, por intermédio do seu Embaixador em Lisboa, Francisco Negrão de Lima, comunica então oficialmente ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Oliveira Salazar, a decisão do Brasil não extraditar o capitão Henrique Galvão. Esta decisão do governo brasileiro, bem como a falta de apoio internacional demonstrado durante o episódio do sequestro do Santa Maria, causaram uma enorme perplexidade e surpresa no seio do regime.

Posteriormente, houve novo período de aproximação ideológica entre os governos luso-brasileiros a partir de 1964, quando se iniciou um quadro de profundo autoritarismo no cenário político do Brasil em consequência do golpe militar de 31 de março de 1964. A partir desde golpe foi instaurada uma ditadura que durou até 1985. Em 1972, ou seja, ainda durante a ditadura militar, os países acordaram sobre o translado dos restos mortais do primeiro imperador brasileiro, D. Pedro I, que estavam em Portugal. O presidente de Portugal, Américo Tomás, foi recebido pelo regime militar no Rio de Janeiro com a presença de milhares de pessoas, sendo o evento televisionado para todo o país.

Em março e abril de 1974, no contexto da revolução portuguesa, o Brasil encontrava-se em plena sucessão presidencial dos referidos governos militares. As Forças Armadas brasileiras estavam divididas internamente entre facções liberalizantes e autoritárias, ocorrendo uma disputa de poder entre os militares que desejavam uma abertura política lenta e gradual, e os militares que ainda preconizavam a necessidade de uma ordem ditatorial, autocrática e repressora. Estes dois grupos ficariam conhecidos, respectivamente, como os moderados e os “linha-dura”2.

O grupo de militares “linha-dura” cresceu de tal modo durante a ditadura que quase passou a controlar os órgãos de repressão e inteligência do governo federal. Este crescimento pode ser explicado, em parte, pelo desenvolvimento da chamada “Doutrina de Segurança Nacional”, que passou a influenciar os militares brasileiros durante a década de 1950, e que, dada suas premissas, contribuiu para a criação dos órgãos militares de inteligência e de repressão política contra os opositores políticos. Estes indivíduos eram frequentemente identificados e “demonizados” como comunistas.

Quando da incipiente revolução portuguesa, os órgãos de inteligência do Brasil estavam diretamente sob influência da referida doutrina, portanto, faz-se necessário uma breve introdução aos seus fundamentos para se compreender a monitoração e preocupação que estes órgãos tiveram com a drástica mudança da política portuguesa.

Utilizando o referencial teórico de ideologia de “Segurança Nacional” de dois autores: José Alfredo Amaral Gurgel e Joseph Comblin, para guiar a análise das fontes primárias dos próprios órgãos de inteligência brasileiros que monitoraram a transição política Portuguesa, concluímos que o governo brasileiro temia que um movimento comunista internacional influenciasse Portugal de tal modo que o próprio Brasil também seria atingido por um movimento de subversão e desestabilização do governo militar.

O Brasil e a Doutrina de Segurança Nacional

Basicamente, a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) surgiu da necessidade dos militares de países capitalistas ocidentais, sob a influência norte-americana e francesa, de fundamentarem ideologicamente o combate aos movimentos subversivos supostamente advindos do comunismo soviético. Esse combate era tido em um cenário de “guerra total”, onde a ideologia comunista marxista pretendia acabar com todos os aspectos das nações que adotavam o modo de vida capitalista. Consequentemente, todos os aspectos da sociedade capitalista deveriam integrar o combate a esta ameaça. A doutrina possui, de acordo com Comblin (1980, 50), quatro elementos fundamentais: “Objetivos Nacionais”; “Segurança Nacional”; “Poder Nacional”; “Estratégia Nacional”.

Os “Objetivos Nacionais” são as metas da guerra e da política. Importante notar que, se o objetivo da nação é relacionado à guerra, não haveria sentido para que a sociedade, em seus aspectos civis, se comportasse de maneira diferente do exército. Este é um dos motivos do porquê esta doutrina induziu uma militarização das sociedades nas quais foi implementada. Inclusive, como notoriamente é possível observar que a ditadura militar brasileira utilizou o comunismo como um inimigo da nação, os cidadãos brasileiros foram chamados para ajudar os órgãos de repressão neste combate contra um inimigo externo que ameaçava os “Objetivos Nacionais” brasileiros.

Comblin (1980, 51-52) e Gurgel (1976, 75-76) estabeleceram uma compilação destes “Objetivos nacionais” brasileiros:

Integridade territorial: preservar o território nacional em toda sua extensão, mantendo suas fronteiras atuais.

Integridade nacional: consolidar toda a comunidade nacional (língua, ascensão moral, mistura racial e supressão das desigualdades sociais) graças a um espírito de solidariedade crescente entre todos os seus membros, sempre preconceitos de qualquer natureza, com uma participação consciente e ativa no esforço comum para preservar os valores que caracterizam a personalidade cultural brasileira, tradicionalmente cristã.

Democracia: adotar como regime político aquele que é baseado nos princípios democráticos, em concordância com a realidade brasileira.

Progresso: conquista, em todos os planos da atividade nacional, de níveis de vida compatíveis com os melhores modelos existentes no mundo e realizados graças aos recursos materiais e humanos do País.

Paz social: estabelecer um sistema de vida fundamentado na harmonia e solidariedade e resolver os conflitos de interesses entre os indivíduos, grupos e classes sociais sob a égide do Direito, da Justiça social, do Valores Morais e espirituais.

Soberania: manter a Nação intangível, assegurando sua capacidade de autodeterminação e sua coexistência com as outras nações em termos de igualdade de direitos e possibilidades.

A “Segurança Nacional”, apesar de ser um termo vago e de difícil conceituação, foi melhor definido por Amaral Gurgel (1976, 138) como sendo “a garantia proporcionada pelo Estado para a conquista e/ou manutenção dos Objetivos Nacionais, a despeito de antagonismos ou pressões”. Expomos ainda a definição do mesmo conceito advinda de Comblin (1980, 54): “A Segurança Nacional é a capacidade que o Estado dá à Nação para impor seus objetivos a todas as forças oponentes”.

O “Poder Nacional” é o instrumento que a nação utiliza com fins de alcançar os “Objetivos Nacionais”. Um desses poderes, dentre os políticos, econômicos e sociais, é o poder militar. Por fim, a “Estratégia Nacional” expressa como o país irá utilizar seu “Poder Nacional” para alcançar seus objetivos e varia conforme a realidade de cada país.

Tradicionalmente é dito no debate público brasileiro que a introdução desta doutrina nas Forças Armadas brasileiras deu-se através da criação da Escola Superior de Guerra (ESG), em 1949, quando passou a ser repassada aos militares de alta patente. Sobre a evolução da Doutrina de Segurança Nacional, Muricy (1993, 254), afirma que os estudos na ESG sobre a DSN retroagem aos anos entre 1951-1952, quando se iniciou um grupo de estudos do qual faziam parte os irmãos generais Orlando e Ernesto Geisel. Esta doutrina passa a ter influência em parte do alto oficialato a partir do governo de Juscelino e aprofunda-se no início do governo militar de 1964, com a criação dos órgãos de inteligência militares. Conforme explica Rafael Carpentieri (2017, 238):

A atuação do Sisni, cujo órgão de cúpula era o SNI, diretamente ligado à Presidência da República, segue a lógica da Doutrina de Segurança Nacional desenvolvida na Escola Superior de Guerra[...]. Todavia, para a Doutrina de Segurança Nacional, os órgãos de inteligência não se ocupavam exclusivamente da repressão. O Sisni compreendia uma série de órgãos públicos que tinham por objetivo produzir informações em prol da segurança e do desenvolvimento do país. Além do SNI, órgão de cúpula cujo chefe possuía status de ministro de Estado, o Sisni também era integrado por órgãos de inteligência das respectivas forças militares. O exército contava com o Centro de Informações do Exército (CIE), a Aeronáutica, com o Centro de Informação da Aeronáutica (Cisa), e a Marinha, com o Centro Nacional de Informações da Marinha (Cenimar).

Explicada a questão doutrinária que guiava os órgãos de inteligência militares do Brasil, passamos para a contextualização do governo Geisel, que foi selecionado como início do recorte temporal do presente estudo, pois tomou posse no mesmo período em que a revolução portuguesa ocorreu.

Cenário brasileiro durante a revolução portuguesa

Em junho de 1973, com vistas à sua sucessão, o presidente do Brasil, general Emílio Garrastazu Médici, apoiou a candidatura do general Ernesto Geisel, que ocupava o cargo de presidente da Petrobras. Geisel poderia ser identificado com posições mais liberalizantes do que a do próprio Médici, visto que se aproximava dos militares “castelistas”,3 embora também tivesse prestígio junto à “linha dura” militar.

A 15 de janeiro de 1974, o Colégio Eleitoral do Congresso Nacional brasileiro elegeu, em pleito indireto e por maioria esmagadora, os candidatos à presidência e a vice-presidência (400 votos contra 76, 21 votos em branco e 6 abstenções).4 Dois meses depois, Geisel tomou posse na presidência da República.

Imediatamente após a posse do presidente Geisel, podemos observar o começo de uma certa apreensão com a situação política portuguesa na imprensa brasileira. Em 16 de março de 1974, o Jornal do Brasil noticiou em suas páginas que alguns oficiais do exército estavam reunidos para tentar influenciar a política governamental portuguesa, ainda que isso implicasse uma quebra de hierarquia e disciplina.

Os majores e capitães do Exército de Portugal, que se preocupam com a política e são chamados de jovens turcos, realizaram ontem reuniões em várias guarnições para examinar a destituição do Chefe do Estado Mari-Maior das Forças Armadas, general Francisco Costa Gomes, e de seu adjunto, General Antônio Spínola.5

Naquele período, o general Spínola tinha sido destituído de suas funções por seus posicionamentos políticos públicos de abertura do regime do Estado Novo português e contra a guerra colonial, divulgados publicamente em seu livro Portugal e o futuro. O outro militar que gerava o espírito de corpo nestes oficiais portugueses era o general Costa Gomes, superior de Spínola, que havia concordado com a atitude insurgida de seu subordinado. Quando da demissão de Spínola, grande parte dos oficiais intermediários portugueses uniram-se contra a destituição do general.

Estes dois oficiais representavam os militares portugueses que estavam engajados na Guerra Colonial que o país travava contra diferentes forças insurgentes que surgiram nas “províncias ultramarinas”. Desde o começo de 1961 Portugal viu-se preso neste combate contra estes grupos, que geralmente eram formadas por paramilitares que lutavam pela independência das ex-colônias.

Saliente-se que no mesmo dia em que o Jornal do Brasil noticiou a movimentação dos militares portugueses, houve uma sublevação de oficiais do exército português que se identificavam com a posição de Spínola, porém, tal revolta foi debelada pelas forças leais ao governo do Primeiro Regimento de Artilharia, do Sétimo Regimento da Cavalaria e por elementos da Guarda Nacional Republicana, sendo este último um dos órgãos de segurança pública portuguesa.

A situação tornou-se, a partir de então, uma preocupação para os órgãos de inteligência brasileiros, que passaram a acompanhar o cenário de instabilidade política que ocorria no regime do Estado Novo de Marcelo Caetano.

A situação após o 25 de Abril nos órgãos de Inteligência brasileira

O cenário de inteligência brasileira crescia desde o começo do governo militar, principalmente com a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI)6 e de outros órgãos de inteligência em diversos setores do governo. A título de exemplificação, no Exército foi criado o Centro de Informações do Exército (CIE)7 e na Aeronáutica foi instituído o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA).8

Apesar de não ter sido encontrado nas fontes trabalhadas um posicionamento imediato dos órgãos de inteligência brasileiros sobre o dia do 25 de abril em Portugal, podemos perceber que a revolução portuguesa passou a fazer parte do cenário político brasileiro tanto no meio estudantil, quanto no meio político-partidário e militar. O governo brasileiro, inclusive, foi o primeiro a reconhecer o novo regime português, no dia 27 de abril. Esta rapidez do governo brasileiro pode ser interpretada, de acordo com Machado Santos (2011, 268), como uma possibilidade de que o Brasil participasse ativamente nas discussões do futuro das províncias do ultramar.

No meio estudantil, o Serviço Nacional de Informações realizou um acompanhamento investigativo em 8 de maio de 1974, entre os universitários da Universidade de São Paulo, onde pretendia identificar os estudantes que estavam organizando comemorações públicas do fim da ditadura portuguesa.

Todavia, isto não impediu que os estudantes da USP realizassem várias assembleias de apoio à revolução portuguesa. Nestas reuniões ocorreram manifestações de repúdio ao próprio regime autoritário brasileiro. Estas assembleias estudantis, que reuniram quase mil pessoas, também contaram com diversos discursos de ativistas ligados à Portugal, inclusive com a presença de um importante orador: o comandante João Sarmento Pimentel, um dos principais ativistas da República portuguesa.

Neste período houve grande debate sobre o asilo político que foi concedido para Marcelo Caetano e Américo Tomás pelo general Spínola9 no final de maio de 1974. Spínola, que tinha assumido a presidência da “Junta de Salvação Nacional”, resolveu tomar a iniciativa da questão e concedeu aos dois políticos a possibilidade de saírem de Portugal e dirigirem-se ao Brasil, onde seriam recebidos como exilados políticos. Tal decisão não foi poupada de críticas por vários setores da revolução portuguesa.

No meio militar, podemos observar um monitoramento brasileiro sobre a situação portuguesa que pode ser visto já no próprio voo que levou o então ex-presidente Américo Tomás para o Brasil: O Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) apurou que os militares portugueses que transportaram o ex-presidente apresentaram sentimentos pessimistas em relação ao futuro de Portugal10.

De fato, a relação entre os países mudou em consequência da revolução. O Brasil iniciou um movimento contrário aos interesses portugueses na África e reconheceu o governo independente da Guiné-Bissau a 18 de julho de 1974. A decisão foi a primeira movimentação que rompeu a tradição brasileira de reconhecimento do colonialismo português na África e que demonstrava uma nova linha política externa do governo brasileiro.

O governo de Ernesto Geisel iniciou uma política externa independente em relação da aparente bipolarização mundial e que foi denominada como “Pragmatismo Responsável”. Esta linha determinava que os interesses diplomáticos do Brasil deveriam superar supostos os obstáculos ideológicos da guerra fria. Conforme explica Thiago Carvalho (2008, 25):

O Pragmatismo Responsável assentava em três vectores: a política externa era entendida como um instrumento do desenvolvimento económico; a diversificação das relações diplomáticas pretendia a integração do país na economia mundial ampliando a sua importância internacional e diminuindo as suas vulnerabilidades; a maximização da capacidade de decisão do Estado face ao sistema internacional.

Neste sentido, a posição brasileira na questão da descolonização africana poderia ser interpretada como um objetivo de ascensão do Brasil como player internacional na relação dos países em desenvolvimento, podendo ainda inserir-se em novos mercados africanos. Sobre esta posição brasileira, novamente Thiago Carvalho (2008, 26):

A reaproximação brasileira a África faz parte de uma estratégia mais ampla de diversificação das relações diplomáticas que pretendia: estabelecer parcerias económicas e políticas com os países em vias de desenvolvimento, incrementando a cooperação no hemisfério sul; projectar Brasília como interlocutora entre o Primeiro e o Terceiro Mundo; inserir os mercados africanos no horizonte da expansão económica brasileira; suprir a elevada dependência energética do Brasil; e demarcar-se do passado de conivência com o colonialismo português, formulando a imagem de um país multirracial e defensor da autodeterminação, e por isso aliado natural do continente africano

Contudo, ainda que as relações econômicas tivessem grande influência na política externa brasileira, também existia a preocupação com o posicionamento político do novo governo português em relação a esta inserção do Brasil no continente africano. O governo português posterior ao 25 de abril começou a ser visto como “de esquerda”, o que poderia trazer possíveis implicações diplomáticas negativas para o regime brasileiro. De acordo com Machado dos Santos (2011, 271):

No tempo curto, na ação conjuntural, a nova posição brasileira, além de alimentar com tal gesto alguma esperança de ainda participar das discussões relativas à descolonização, avaliava como certa a impossibilidade do aprofundamento de negociações com um governo português cada vez mais à esquerda, ideologicamente distante, e, portanto, cada vez menos simpático ao Brasil dos generais

O novo posicionamento brasileiro gerou discordância interna nas Forças Armadas. A “linha-dura” dos militares brasileiros, representada pelo general do exército Silvio Frota (2006, 176.) atestava que a Rússia Soviética teria interesse nos processos de independência das colônias portuguesas, supostamente com o intuito de controlar aqueles países através de processos subversivos de desestabilização. Sendo assim, apoiar de qualquer modo um processo de independência destes países poderia ser visto como uma capitulação aos planos soviéticos de trazer aquelas colônias para seu campo de influência.

Um mês após o reconhecimento da Guiné-Bissau por parte do governo brasileiro, em agosto de 1974, cidadãos portugueses realizaram um protesto, por motivos diversificados, em frente à embaixada brasileira em Lisboa. Seguindo a cartilha da DSN que reconhecia os opositores do governo militar como de esquerda, os manifestantes foram identificados pelo adido militar do exército brasileiro junto à missão diplomática brasileira em Lisboa como “comunistas”.

As relações diplomáticas entre Brasil e Portugal também foram atingidas em consequência do “Caso Fontoura”, quando o governo militar indicou para a embaixada brasileira em Lisboa o ex-chefe do Serviço Nacional de Informações, Carlos Alberto Fontoura. A nomeação causou protestos da sociedade civil portuguesa e obrigou o governo português a pressionar o governo brasileiro para que fosse revista a indicação. O Brasil respondeu no sentido da manutenção na nomeação do embaixador, deixando claro que se não houvesse a manutenção de Fontoura, a embaixada ficaria sem representante brasileiro.

Uma vez que o regime político português era visto com desconfiança pelo governo brasileiro por suas aspirações mais à esquerda, a situação agravou-se com a queda do general Spínola em setembro de 1974, já que a sua renúncia favoreceu a ascensão de políticos identificados como comunistas, como Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves11. O general Spínola era visto pelos líderes das instituições portuguesas no Brasil como um político capaz de deter o avanço da extrema-esquerda em Portugal, ainda que em detrimento da democracia representativa.

A revolução portuguesa e os desafios à segurança nacional brasileira

Embora o regime português fosse relativamente novo, os órgãos de inteligência brasileiros já o identificavam como um governo de inspiração comunista e que potencialmente traria problemas internos para o Brasil. Sob este prisma, podemos identificar, nas comunicações de inteligência, três problemas relacionados ao novo regime português e que poderiam representar uma ameaça à Segurança Nacional do Brasil: 1) Os ativistas brasileiros “subversivos” que se mudaram para Portugal após a queda do Estado Novo; 2) Os ativistas portugueses “subversivos” que se mudaram para o Brasil após a queda do regime; 3) Um possível ataque revolucionário ao Brasil advindo do “movimento comunista internacional” que provinha do governo Português.

Sobre o primeiro ponto, os ativistas brasileiros em Portugal foram monitorados, principalmente, por esforços do Ministério das Relações Exteriores através dos quadros da embaixada brasileira em Lisboa. Foram identificados políticos brasileiros que se aliavam aos quadros do Partido Comunista Português e que publicavam artigos na imprensa portuguesa de críticas ao governo brasileiro.

A embaixada brasileira acompanhou, por exemplo, a tentativa de publicação de um artigo de Hermano Alves, deputado cassado no Brasil, para o jornal português Expresso criticando o regime militar brasileiro no tocante à indicação do embaixador do novo Brasil, Carlos Alberto da Fontoura. A informação supostamente foi passada para funcionários da embaixada brasileira pelo então diretor do jornal e deputado português, Marcelo Rebelo de Sousa. O deputado também afirmou que adiaria a publicação de tal artigo de crítica considerando a violência do texto e da falta de interesse do jornal em criticar o governo brasileiro.12

Por outro lado, jornais como o Diário de Lisboa publicavam cartas mais agressivas de ativistas luso-brasileiros. Em 6 de agosto de 1975, este jornal publicou uma “Carta de prisão” do ex-padre Alípio de Freitas, datada de setembro de 1974. Nesta carta, Freitas denunciava as condições dos presos políticos brasileiros e dirigia um ataque ao embaixador Fontoura. Conforme relata o órgão de inteligência brasileiro que monitorou a publicação da carta:

Com o subtítulo de “Fontoura, um Hitler brasileiro”, é feita alusão ao Embaixador do Brasil em Lisboa da seguinte forma: e já que esta denúncia é dirigida ao povo português, ela deve ser completada com uma outra que é que o atual Embaixador do Governo Brasileiro (não do povo brasileiro), o General FONTOURA é ou foi o criador de todo o atual sistema de repressão política vigente no BRASIL. Durante o GOVERNO MÊDICI, foi ele o Chefe do SNI, do qual dependem, de um modo ou outro, todos os órgãos repressivos do país; é um como que HITLER BRASI LEIRO organizador de uma GESTAPO não menos eficiente e criminosa do que o nazista. Só como um ato de afronta ao povo português e ao glorioso movimento revolucionário de abril pode-se, ainda, manter esse indivíduo como Embaixador em PORTUGAL.13

Ainda a 20 de dezembro de 1974, a Seção de Informações do Ministério da Aeronáutica informou o Estado Maior do Exército sobre a ida de inúmeros oposicionistas brasileiros para Portugal, tais como: Moreira Alves, almirante Candido Aragão, Plínio de Arruda, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Miguel Arraes, entre outros.14 O acompanhamento destes oposicionistas era frequente e representava um esforço da ditadura brasileira de não ser criticada perante a opinião pública internacional.

O segundo ponto (sobre os ativistas portugueses no Brasil), foi alvo de investigação por parte do Departamento de Polícia Federal, subordinado ao Ministério da Justiça, que em fevereiro de 1975 produziu um relatório sobre a confecção de um manifesto por um coletivo de ativistas portugueses no Brasil denominado “Viva Portugal”, e que foi nomeado por estes como: “Proclamação da Colônia Portuguesa no Brasil”. O manifesto tinha tom de elogio à revolução portuguesa, porém, criticava uma possível submissão de Portugal aos interesses soviéticos.15 O governo brasileiro emitiu uma nota conjunta através do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça, na qual afirmava que faria cumprir uma determinação legal brasileira que impedia que estrangeiros residentes no Brasil realizassem qualquer atividade política. Tal fato foi criticado amplamente na imprensa brasileira, ainda que esta estivesse sob as restrições da censura governamental.

Neste contexto destaca-se a posição dos políticos conservadores brasileiros que pode ser exemplificada em Carlos Lacerda. O político conservador brasileiro, um dos mais notáveis políticos anticomunista, vinha frequentemente posicionando-se na imprensa brasileira sobre o novo regime português, identificando-o como comunista e atestando a necessidade dos militares portugueses de controlarem a infiltração comunista. Lacerda apontava em seus artigos o general Spínola como o militar que poderia realizar o controle de tal situação.

O único resultado positivo do domínio comunista sobre Portugal, para a União Soviética, será o domínio do Atlântico Sul, na margem que se opõe à do Brasil. Isto significa uma de duas. Ou o Brasil embarca nessa mesma direção, ou –para se opor– terá que se tornar muito mais rígido o seu sistema militar. Então viveremos, por muitos anos, sob o tema exclusivo da segurança nacional.16

O Ministério da Aeronáutica chegou a produzir, em julho de 1975, um relatório em que atestou a existência na colônia portuguesa no Rio de Janeiro de um setor spinolista, onde acreditava que aquele general era o único capaz de impedir a “comunização” de Portugal. O relatório ainda demonstrava a hesitação daqueles portugueses em colaborar com as autoridades brasileiras, considerando a posição diplomática do Brasil para com o novo regime português. Por outro lado, estes ativistas portugueses se dispuseram em atuar como intermediários junto aos setores oposicionistas de Portugal. O deputado Carlos Lacerda foi identificado como sendo o porta-voz desta corrente no Brasil.

Lacerda chegou, de acordo com a inteligência brasileira, a realizar reuniões reservadas com o próprio general Spínola, militares de seu Estado-Maior e empresários portugueses ou que tivessem interesse em Portugal, com o objetivo de organizar uma “contrarrevolução”17. Tais reuniões, embora de conhecimento dos serviços de inteligência, não foram alvo de repressão conforme determinava a própria legislação brasileira.

Embora tais reuniões tenham sido supostamente infrutíferas, pois, os empresários portugueses contatados por vezes culpavam o próprio Spínola pela situação portuguesa, elas deram início ao Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP). Como atesta Irene Pimentel (2017, 298): “O MDLP viria apenas a ser criado formalmente a 5 de maio de 1975, no Rio de Janeiro, sob a presidência de Spínola e integrada por elementos do regime deposto e de extrema-direita e exilados portugueses no Brasil.”

No início do ano seguinte, em 25 de abril de 1975, o movimento estudantil brasileiro novamente manifestou-se publicamente a favor da revolução portuguesa. Desta vez o evento foi feito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) e contou com um discurso do então adido cultural do Consulado de Portugal no Rio de Janeiro. O órgão de inteligência que monitorou a reunião opinou pela restrição de novas manifestações deste funcionário do consulado português:

O Cisa sugere como medida elementar de legítima defesa da democracia em nosso país, que esse indivíduo, atualmente no cargo de “adido cultural” do Consulado de Portugal no Rio de Janeiro e munido de passaporte diplomático, seja impedido, doravante, de comunizar a juventude estudantil brasileira com outras “palestras culturais” semelhantes.18

Em junho de 1975, Spínola teria sido recebido na sede do SNI, no Rio de Janeiro, para apresentar sua proposta de intervenção em Portugal. O militar português propunha receber um terreno no interior do Brasil para treinamento de um movimento destinado a retornar a Portugal e retirar os comunistas do poder. Apesar de imaginar que a proposta seria atraente para a ditadura militar brasileira, ela foi, supostamente, recusada.

Spínola declarou ao SNI não necessitar de apoio financeiro do Brasil. Queria apenas “facilidades” para a base de treino. A localização “no interior do país” justificava-se pela necessidade de garantir “um sigilo absoluto” durante todo o tempo da sua utilização, que o general estimava em “dois a três meses”. No seu papel de vendedor de estratégias, Spínola insistia que o seu pedido não “onerará o país”, até porque o transporte das tropas após o seu treino “para uma base em algum lugar da Espanha” seria feita por sua conta em risco.19

O terceiro aspecto identificado nas comunicações de inteligência brasileira (uma ameaça da suposta atividade subversiva comunista advinda de Portugal para o Brasil), tornou-se verdadeira preocupação dos militares brasileiros a partir do momento em que o novo regime foi identificado como “de esquerda”.

O receio sobre o novo governo português, sob a perspectiva policial-militar, iniciou-se já em 14 de maio de 1974, visto que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil transmitiu aos órgãos de inteligência brasileiros a preocupação de vários chefes de missões diplomáticas em Lisboa, de países diversos, sobre a abertura dos arquivos da polícia política do extinto regime ditatorial, a Direção-Geral de Segurança (DGS), ao público.

A preocupação era justamente pelo fato da troca de informações que existia entre a polícia política portuguesa e a brasileira e que poderia ser publicamente divulgada. Neste relatório do MRE foi dito que a embaixada do Brasil em Lisboa já tinha procedido à investigação da veracidade das informações sobre a divulgação pública das correspondências entre a DGS e a “polícia política brasileira”.20

No ano seguinte, um relatório do Ministério da Aeronáutica, de julho de 1975, atesta a preocupação do governo brasileiro, guiada por um discurso de nítida inspiração com a DSN, em relação ao governo português: “PORTUGAL está praticamente comunizado.”21

O receio das Forças Armadas brasileiras tornou-se maior ainda quando, a 11 de agosto de 1975, o CIE enviou uma comunicação ao Ministério da Justiça afirmando que as Forças Armadas portuguesas desejavam a infiltração comunista no Exército brasileiro:

Esta Divisão tomou conhecimento de que a revista mensal “JORNAL DO EXÉRCITO”, de PORTUGAL, e editada como “Órgão de Informação, Cultura e Recreio do EXÉRCITO PORTUGUÊS”, sendo de sua propriedade. (...] No momento, tem como finalidade precípua fazer a propaganda do MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS, infiltrado e já conduzido pelos comunistas portugueses. [...]. Esta revista e outras publicações das FFAA portuguesas estão sendo distribuídas por várias OM, inclusive Colégios Militares, contendo propaganda do MCI, através do PCP e MFA, com o objetivo fundamental de infiltrar-se em nossas FFAA.22

Na mesma época, em relatório datado de 14 de agosto de 1975, o SNI, através da agência do Rio de Janeiro, afirmou ter entrevistado um militar português que explicitou que os jovens oficiais do exército que realizaram a revolução “não tinham conhecimento que estavam sendo manipulados pelo Partido Comunista Português”. Tratava-se de uma informação que compunha o quadro de preocupação dos órgãos de inteligência com os rumos políticos do novo regime português e de seu exército.

O II Exército (organização do exército brasileiro que administrava a região sudeste), no dia 27 agosto de 1975, também avisou o Ministério da Justiça do risco de infiltração comunista no Brasil advindo da antiga metrópole. Destaca-se neste momento que o Exército brasileiro culpava expressamente o novo governo civil português pela tentativa de “comunização” do Brasil.

Com a vitória dos comunistas em PORTUGAL e o consequente controle de órgãos da administração daquele país, por parte de elementos de esquerda, intensa atividade de portugueses ligados a subversão vem sendo registrada no BRASIL. Esta atividade ê desenvolvida não só por elementos isolados, que para cá se deslocam, a fim de realizar contatos, como também, e principalmente, por elementos ligados ao Governo daquele país que aqui vêm, com a finalidade de atuar sobre a colónia portuguesa [...]. Além disso, PORTUGAL se transformou no grande abrigo para os subversivos e terroristas brasileiros que desenvolvem intenso trabalho com vistas à implantação do comunismo no BRASIL, atividades estas apoiadas pelo governo português.

As principais organizações terroristas brasileiras instaladas, em PORTUGAL, já começaram a enviar elementos para atuação no nosso País. Assim, informe de boa fonte registra a vinda ao BRASIL de subversivos portugueses militantes da “Ação Libertadora Nacional “ALN, para atuarem, em breve, na “guerrilha urbana”.23

Em outubro daquele mesmo ano, o Comando da 5ª Região Militar do Exército perpetuou a preocupação com os portugueses presentes no território nacional, afirmando que dentre os prováveis quinhentos mil lusitanos que entraram no Brasil, “estariam alguns líderes comunistas portugueses, para estudar o apoio dos companheiros brasileiros, em caso de vitória ou de derrota do PC [partido comunista] de Portugal”24.

Este cenário de ameaça comunista ao Brasil foi finalmente explicitado pelo SNI, em relatório de informação nº61/16/75/ARJ de agosto de 1975, quando este explicou a existência de uma contrariedade da concretização da aliança dos países de língua portuguesa pela Rússia soviética, com o objetivo de isolar e enfraquecer o Brasil. A intenção soviética de dominação da América do Sul colocava o Brasil como um alvo prioritário do “Movimento Comunista Internacional”:

E assim, o Brasil passa a ser dos principais alvos do MCI, pois além do mais, é também a chave para a conquista da América Latina.[...] Mas se por outro lado for o Brasil convertido e dominado pelo comunismo, então é certo que toda a América do Sul será levada de roldão25.

Conclusão

Conforme visto, a transição portuguesa foi percebida pelo governo militar do Brasil com extrema cautela pelos órgãos de inteligência. A atribuição de um caráter comunista ameaçador à revolução portuguesa pode ser compreendida como consequência da Doutrina de Segurança Nacional, que já influenciava o exército brasileiro havia décadas.

Exemplificamos de maneira cabal esta posição quando da leitura de relatório do Ministério da Aeronáutica de julho de 1975, o qual afirmava cristalinamente que “[o] que existe em Portugal é a ocupação, sistemática, de todos os setores da atividade, do militar ao civil, do operário ao empresarial, pela máquina comunista. Isto significa que o que está em jogo não é só o destino do povo português, mas o do próprio Brasil”26.

Esta percepção foi corroborada por inúmeras posições dos outros órgãos de inteligência do regime militar que acompanharam os ativistas brasileiros em Portugal, bem como os ativistas portugueses no Brasil. A preocupação era de um intercambio das esquerdas dos dois países pudesse causar desestabilização do governo brasileiro. Os ativistas brasileiros em Portugal foram constantemente monitorados em suas críticas públicas ao governo brasileiro. No Brasil as manifestações sobre a revolução portuguesa também foram monitoradas de perto pelo regime, principalmente aquelas ocorridas no meio estudantil.

Existia a também a preocupação de que os militares brasileiros fossem influenciados pelo comunismo que aparentemente se espalhava entre os militares lusitanos. Setores conservadores da política brasileira, exemplificada no presente estudo através de Carlos Lacerda, criticavam o crescimento do comunismo entre o exército português, acreditando até que o general Spínola pudesse impedir o avanço daquela ideologia.

O reconhecimento do novo regime português feito pelo governo brasileiro teve influência da nova política externa do governo Geisel. Este posicionamento foi feito com o objetivo de participar no processo de descolonização africano e inserção do Brasil naquele novo mercado.

Diante das fontes analisadas, podemos afirmar que embora o “pragmatismo” das relações exteriores do Brasil estivesse em voga, os órgãos de inteligência do regime militar brasileiro acompanharam a revolução portuguesa sob a ótica de uma ameaça comunista ao regime militar, percepção influenciada diretamente pela Doutrina da Segurança Nacional e que fez diversos setores da administração pública trocarem informações sobre o novo governo português.

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Recebido: 12.02.2021 Versão final: 14.07.2021 Aprovado: 29.10.2021

 

 

 


1 Henrique Galvão já tinha liderado, no Brasil, uma divisão militar do Movimento Nacional Independente. A organização tinha como objetivo derrubar a ditadura salazarista e o departamento de Galvão tentava atingir tal objetivo por via militar.

2 Para a disputa interna entre as alas diferentes presentes nas Forças Armadas ver: Gaspari (2002).

3 Os “Castelistas” eram os militares ligados as concepções ideológicas de Castello Branco, primeiro presidente da ditadura militar e que ainda tinha intenções liberalizantes, Geisel inclusive foi chefe da Casa Militar do presidente Castelo Branco.

4 A oposição também linha lançado candidato à presidência, o deputado federal Ulysses Guimarães.

5 Jornal do Brasil, 16 de Março de 1974, p. 8.

6 O SNI foi criado pela lei nº 4.341 em 13 de junho de 1964.

7 O Centro de Informações do Exército foi criado por meio do Decreto nº 60.664, de 2 de maio de 1967.

8 O Serviço de Informações da Aeronáutica foi criado pelo Decreto n° 63.005, de 7 de julho de 1968.

9 Quando do 25 de abril, tanto Caetano quanto Tomás foram detidos. Caetano foi detido no próprio dia da revolução quando as forças do Movimento das Forças Armadas-MFA cercaram o quartel da Guarda Nacional Republicana localizado no Largo do Carmo, em Lisboa, ocorrendo a rendição da guarnição daquele quartel após as autoridades perceberem a desnecessidade e inutilidade de reação das forças ali posicionadas. O quartel estava cercado tanto pelas forças da MFA quanto da própria população, que lotou o Largo do Carmo apoiando a revolução incipiente. Américo Tomás foi levado ao quartel dos lanceiros e detido posteriormente.

10 Informação nº 275/DIS-COMZAE-4. Ministério da Aeronáutica, 28 de Maio de 1974. Identificação do documento: br_dfanbsb_vaz_0_0_05891_d0001de0001. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

11 “Quando toma posse, Vasco Gonçalves faz um apelo à reconciliação e à unidade das Forças Armadas, mas Costa Gomes fala explicitamente numa solução ‘transitória’. É um Governo apoiado, antes de mais, pela esquerda militar, e por uma parte importante da extrema-esquerda”. Disponível em: Raquel Varela, “O Partido Comunista Português e a esquerda militar”, Ler História [Online], 63 | 2012, posto online no dia 09 abril 2015, consultado no dia 31 de Janeiro 2021. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/352; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.352

12 Ministério da Justiça. Informação nº 511/75/DSI/MJ. br_rjanrio_tt_0_mcp_avu_0270, p. 121. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

13 Ministério da Justiça. Informação n 570/75/DSI/MJ. br_rjanrio_tt_0_mcp_avu_0270, p. 319. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022

14 Ministério da Aeronáutica. Informação 582/EMAFR. Identificação do Documento. br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_74079051_d0001de0001. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

15 Ministério da Justiça. Manifestações Políticas de Brasileiros e de portugueses residentes no Brasil, sobre a situação política em Portugal. 1975. Identificação do Documento. br_rjanrio_tt_0_mcp_avu_0006_d001, p. 5-6. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

16 Estado de São Paulo, 28 de fevereiro de 1975.

17 Ministério da Aeronáutica. Informe 0038. Identificação do Documento: br_dfanbsb_vaz_0_0_22151_d0001de0001. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

18 Ministério da Aeronáutica. Informação 0223/Cisa, p. 4. Identificação do documento: br_dfanbsb_vaz_0_0_25508_d0001de0001. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp).

20 Identificação do documento: Ministério das Relações Exteriores nº DSI 1679. 14 de maio de 1974. br_dfanbsb_z4_dpn_eni_0263_d0001de0001, p. 64. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

21 Ministério da Aeronáutica. Encaminhamento nº 217/A-2-IV COMAR. br_dfanbsb_vaz_0_0_02388_d0001de0001, p. 3. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado em: 05 de janeiro de 2022.

22 INFORMAÇÃO N.º 520/75/DSS/MJ, de 11 de agosto de 1975. Identificação do Documento: br_rjanrio_tt_0_mcp_avu_0270, p.128. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado a: 05 de janeiro de 2022.

23 INFORMAÇÃO N° 56.2. / .7.5./DSI/MJ, de 27 de agosto de 1975, Identificação do Documento: br_rjanrio_tt_0_mcp_avu_0270, p. 312. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado a: 05 de janeiro de 2022.

24 Departamento de Polícia Federal. ENCAMINHAMENTO NQ 254/75-SI/SR/DPF/PR.Identificação do Documento: br_dfanbsb_zd_0_0_0037b_0052_d0003, p . 2. https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/download.asp?NomeArquivo=BR_DFANBSB_ZD_0_0_0037B_0052_d0003.pdf&arquivo=050705160A7745515A555E4C5342535655554C5F5B5B5B435459A3B747740C30DCF28FBE0B60D37776EA02BDC348941420DFF781961115A2EAA7BB74242BE1E7AEB16B59ED32ECF316C40D5B8C0F52D2E996BC5549F90B91F8492D3761AD91D29C0C0314E5C46E803E53D61DA3BC3559AA65DD247EF895259A0B0FA4BCEDCD484ED713DBA99776441A22AFA471312973E2A124EE5A479E6923BA5683D81A2346579BDD909E&apresentacao=1. Acesso a: 05 de janeiro de 2022.

25 Ministério do Exército. INFORMAÇÃO Nº 061/16/75/ARJ/SNI. Identificação do Documento: br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_75087131_d0004de0005, p. 21. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado a: 05 de janeiro de 2022.

26 Ministério da Aeronáutica. Encaminhamento nº 217/a-2-iv Comar. Identificação do Documento: br_dfanbsb_vaz_0_0_02388_d0001de0001, p. 3. Disponível através de Sistema de Informações do Arquivo Nacional (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp). Acessado a: 05 de janeiro de 2022.