DOI: 10.18441/ibam.24.2024.86.39-58
Ivan Lima Gomes
Universidade Federal de Goiás, Brasil
igomes2@ufg.br
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7873-8484
Um caminho possível para discutir os processos criativos envolvidos na elaboração de obras artísticas num dado contexto passa pela investigação em torno das redes de sociabilidade forjadas por tais agentes. Ou seja, onde e com quem compartilhavam seus saberes e influências, de que maneiras se davam tais encontros e o que discutiam são alguns pontos que permitem perceber como é forjada historicamente a função social do intelectual. Atentar para tais discussões significa analisar a circulação de saberes e práticas que, por sua vez, configura os itinerários das ideias, por meio de redes intelectuais e de suportes materiais que possibilitam vias de circulação cultural (Tarcus 2007; Williams 2012).
Para tanto, o presente artigo parte de dois estudos de caso: a pequena cooperativa gaúcha CETPA (acrônimo para Companhia Editora e de Trabalho de Porto Alegre), cuja atividade, restrita em sua maioria ao estado do Rio Grande do Sul, seguiu de 1961 a 1964; e Quimantú, a grande editora associada ao governo socialista da Unidad Popular e que atuou na sociedade chilena de 1971 a 1973. Com dimensões e alcances sociais bastante distintos, exemplificam aspectos importantes do mundo das histórias em quadrinhos (HQs) latino-americanas dos anos 1960 e 1970, como o debate sobre o impacto da cultura norte-americana em realidades “subdesenvolvidas” e o desafio de se produzir HQs nacionais. Neste período, observa-se o estabelecimento de estudos teóricos dedicados a apontar, por meios dos quadrinhos, as condições econômicas, políticas e sociais que intensificavam o cenário de dependência cultural ao qual estaria submetida a América Latina (Mattelart 1970, 124-154). Se um trabalho como Para leer al Pato Donald é hoje bem conhecido, é preciso apontar, no entanto, que a ele antecederam diversas publicações –em tiras cômicas ou revistas, por exemplo– e iniciativas editoriais que pretendiam repensar o lugar das HQS na América Latina, propondo, na prática, uma efetiva “substituição de importações” de quadrinhos.
Não deve ser considerada natural a existência de grupos de artistas que promoviam coletivamente, em contextos que não estavam em contato direto entre si, formas de resistência cultural e defendiam um nicho de mercado próprio para as HQs locais. Antes, essa observação aponta para uma história transnacional das HQs, atenta aos “fluxos de ideias, pessoas, textos ou serviços” no dentro e fora das estritas fronteiras dos Estados-nação (Saunier 2004). A entrada de material estrangeiro de quadrinhos no Brasil e no Chile, mesmo orientada pelos ritmos específicos de cada contexto editorial, sinaliza a constituição de novos saberes, técnicas e itinerários, que originam novos lugares de sociabilidade em torno de editoras e revistas ocupadas por artistas, legítimos “intelectuais do traço”.1
A situação na América Latina era diferente do mercado estadunidense de HQs, a tomar por Brasil e Chile. Quadrinhos de super-heróis, importantes representantes da indústria norte-americana de revistas em quadrinhos que tomara o mercado de impressos desde fins da década de 1930, ainda circulavam bastante em ambos os países nos anos 1950 e 1960. Não estamos falando, porém, dos personagens da Marvel Comics, que contaram com notável êxito comercial na década de 1960 nos Estados Unidos; falamos principalmente, aqui, de Superman e Batman. Ambos eram considerados referências quando se tratava de HQs.2 Falando do Brasil, o jornalista Gonçalo Júnior estima que revistas como Batman e Superman alcançavam tiragens acima de 150 mil exemplares no Brasil dos anos 1950 (Silva Júnior 2004, 288). O fato de a banda de rock Los Bates ter lançado um disco intitulado La bati-fiesta de Los Bates (1966) e o escritor de vanguarda Enrique Lihn publicar um livro sobre a atuação do Homem Morcego como agente da CIA em território chileno durante os anos da UP (1973) servem, porém, de indicativo do impacto cultural dos super-heróis no Chile. Sem falar das críticas que se veiculavam aos quadrinhos de super-heróis em uma revista de Quimantú, como Cabrochico, voltada ao público infantil.
Porém, é curioso constatar que, nas memórias de artistas deste período, a importância da leitura de super-heróis é um aspecto que desaparece das recordações. Isso chama atenção se contrastamos tal silêncio com as memórias de artistas contemporâneos, onde prevalecem as lembranças da leitura de super-herói como parte da sua formação artística.3 Talvez haja aqui um indicativo de que a memória é um aspecto importante a integrar as sociabilidades de quadrinistas. É com base em depoimentos orais e escritos de artistas e intelectuais ligados à CETPA e à Quimantú que o presente artigo irá discutir alguns aspectos relativos às memórias desses sujeitos.
A ênfase recairá em alguns aspectos relativos à sociabilidade que permitam definir a construção histórica de certa autonomia das HQs enquanto prática cultural dotada de dinâmica própria. Partindo de Georg Simmel, a interação entre indivíduos depende de fatores de socialização que envolvem a aquisição de conteúdos específicos e a satisfação decorrente da interação em si. Tal como um jogo, a sociabilidade se vale de regras próprias que nem sempre atendem a interesses imediatos e alheios àqueles próprios da sociabilidade. Não é por outro motivo que Simmel se refere à “autonomização dos conteúdos” como uma das exigências na constituição das relações de sociabilidade (Simmel 1983). É por meio desta trama de relações que os artistas refletem sobre suas práticas, o que nos possibilita pensá-los enquanto “intelectuais do traço”, conforme mencionado anteriormente, na medida em que são agentes na “organização da cultura”, conforme a expressão de Gramsci.
Neste sentido, o presente artigo se articula diretamente com as reflexões desenvolvidas em um trabalho recente de Amadeo Gandolfo sobre o cartunista argentino Oski (Gandolfo 2018, 173-201). Para o autor, é possível identificar três aspectos centrais para definir a noção de intelectual e que, por sua vez, estão presentes na atuação de muitos dos “humoristas gráficos” das décadas de 1960-1970. Elas são: uma vinculação muito clara entre atividade cultural e atividade política, ainda que cada uma mantenha especificidades em relação às outra; a ideia de pertencimento a um coletivo comum, com vistas à afirmação de princípios comuns; em terceiro lugar, a intervenção no debate público; e, por último, a crítica, enquanto recurso para transformar a realidade (Gandolfo 2018, 179-182).
Refletir a atuação de artistas latino-americanos ligados ao mundo editorial das HQs em contraponto crítico aos comics dos Estados Unidos implica em constatar a ocorrência de traços de formação comuns. Torna-se viável ensaiar uma análise prosopográfica (Stone 2011), ainda que preliminar, dos itinerários de formação de artistas de HQs latino-americanas em tempos de cultura nacional-popular – ou, como sugeriu o artista brasileiro Renato Canini,4 uma “biografia dessa turma toda”. Longe de pretender estabelecer uma única “biografia coletiva” que abrangesse experiências tão distintas de artistas brasileiros e chilenos, preferimos expor e analisar traços ora comuns, ora divergentes, presentes nas experiências de vida coletadas, destacando aquilo que o historiador brasileiro Durval Albuquerque Júnior definiu como “biografemas” – ou seja, “os elementos estruturantes [...] sem os quais não haveria narrativa biográfica” de um determinado grupo social (Albuquerque Júnior 2012). Entre os artistas de quadrinhos, é comum encontrar –seja entre aqueles com uma formação mais tradicional, seja entre os que abandonaram os estudos quando ainda jovens– uma trajetória lacunar, na qual as HQs permanecem à margem das atividades “oficiais”.
Nos marcos de uma obra ficcional publicada em 2021, Dave Sim e Carson Grubaugh realizam um impressionante trabalho de interpretação histórica nos quadrinhos. Refletindo sobre as circunstâncias em torno da carreira e da morte do desenhista estadunidense Alex Raymond, falecido em um acidente automobilístico em 1956, a dupla de artistas reflete sobre o lugar de Raymond na memória gráfica do século xx. Dono de um estilo influente e que marcou gerações entre os anos 1930 e 1960, a obra de Raymond segue desafiadora do ponto de vista estético, pelo seu realismo fotográfico e pelos sombreamentos precisos que produzia para suas cenas de ações. Porém, seu nome parece ter perdido o destaque entre os artistas contemporâneos.
A ênfase dada a nomes não só a Alex Raymond, mas também a Hal Foster e a séries como “Rip Kirby” e “Prince Valiant” é recorrente entre os artistas de CETPA e Quimantú. Tal cenário é coerente com a afirmação dos quadrinhos enquanto uma forma legítima de arte e parte do patrimônio cultural de uma geração, conforme se vê no caso francês (Lesage, 2023, 49-71). Na Argentina, observa-se a criação de um Club de Aficionados Alex Raymond, que chegou a publicar uma revista de mesmo nome em 1952 e que, pouco tempo depois, resultaria na Escuela Panamericana de Artes, voltada à difusão cultural e à formação de desenhistas de quadrinhos na América Latina (Vázquez 2010, 61-67; Martínez 2003). Por outro lado, porém, nota-se um silêncio quanto a outro tema.
Praticamente nenhum dos entrevistados mencionou o interesse na leitura de super-heróis, gênero narrativo próprio dos quadrinhos e historicamente fundamental para a consolidação das HQs como produto cultural, através das revistas em quadrinhos (Gabilliet, 2009, 8-12). A exceção à regra se encontra no depoimento de Júlio Shimamoto, que acusou as leituras de séries como “Human Torch”, “Namor” e “Captain America”. Porém, a leitura dos super-heróis teria uma especificidade em relação às outras. Segundo o artista, o conteúdo politizado daquelas HQs produzidas nos anos de Segunda Guerra Mundial lhe causou forte impressão quando menino. Era claro a ele, filho de decasséguis,5 que os super-heróis esmurravam e derrotavam as forças do Eixo, nas quais se incluíam os japoneses. De forma sempre bem-humorada, seu depoimento proporciona uma vívida descrição das circulações de saberes, das interpretações e práticas de leitura motivadas pelas HQs:
As capas, como era tempo de guerra e vinham dos Estados Unidos, a temática era assim, contra os alemães, contra os japoneses, e o Tocha Humana [“Human Torch”] contra os nazistas, em outro tinha Namor, o Príncipe Submarino [“Namor”] socando os japoneses e coisas desse gênero. E sempre contra os países em conflito com os Estados Unidos. E os personagens eram justamente os maus, eram os soldados do Eixo. Uns tempos depois, eu começava a rabiscar com gravetos no chão. Papel era uma coisa um pouco rara em casa [...] esse tipo de provocação que eu via –e eu sendo da etnia que era transformada em malfeitores por um herói de gibi– me criou uma necessidade grande de resposta. Qual era a resposta? Então eu pegava os jornais que papai trazia acumulados da Comarca de General Salgado –ele assinava O Estado de São Paulo– e nas partes brancas do jornal eu começava a rabiscar os desenhos. O que eu comecei a fazer? É, é, a inverter a história. Eu criava histórias toscas em que os heróis eram japoneses e os vilões eram os americanos. Eu invertia o contexto e acho que talvez daí tenha criado uma tara de que era uma forma de expressão de você contestar as coisas que não aceitava. Talvez daí tenha nascido essa compulsão para o desenho, né? Uma necessária resposta ao que eu via no gibi. Mas era fascinante. Eu não sabia ler, mas até que eu entendia as histórias. Só pela expressão, né? Pela figura, pelo desenho que está todo explícito ali. Tem começo, meio e fim, não é uma divagação filosófica, nem nada, não é verdade? Era o bem contra o mal. Só que eu não aceitava que o mal estava do nosso lado.6
O formato de super-herói teve, pois, uma importância a princípio controversa na trajetória de Shimamoto, na medida em que os super-heróis não o teriam influenciado positivamente em termos políticos ou estéticos. Porém, permitiram-lhe estabelecer uma memória da sua infância que o apresenta como um autor crítico da própria história das HQs. Ao mesmo tempo, sugere-se também uma elaboração da memória sobre o lugar do Japão na Segunda Guerra Mundial e das gerações de descendentes de japoneses que tiveram que lidar com o peso desta derrota ao longo da segunda metade do século xx. Por meio dos super-heróis, tornou-se possível afirmar que, para além da filiação política do Japão às forças do Eixo, eles também foram injustiçados por uma história mais ampla –mas não menos violenta– de etnocentrismo promovida pela cultura estadunidense.
A crítica aos super-heróis, por outro lado, repete-se em boa parte dos entrevistados. Algumas interpretações podem ser esboçadas a respeito. A primeira deve levar em conta que as HQs de super-heróis não faziam mais tanto sucesso nos anos 1950 nos Estados Unidos, principal mercado produtor e consumidor deste gênero narrativo. Após o conjunto de ações críticas a comportamentos de super-heróis sintetizadas na atuação do psiquiatra Fredric Wertham e na criação do Comics Code Authority –espécie de código de conduta adotado por editoras norte-americanas com vistas a regularizar temas e representações gráficas que poderiam ser apresentados então nas revistas em quadrinhos–, teria se acentuado a queda no consumo de revistas de super-herói, constante desde o término da Segunda Guerra Mundial. Ao associar “Superman” ao fascismo, “Batman and Robin” à homossexualidade e considerar “Mulher Maravilha” como uma personagem de postura “fálica” e desaconselhável às leitoras, Wertham teria dado golpes duros demais até mesmo para os super-heróis (Wright 2001; Hajdu 2009; Lepore 2014; Wertham 1954). Uma nova expansão comercial do formato viria apenas em meados dos anos 1960, com o sucesso dos personagens da editora Marvel Comics e da série de televisão Batman.
Apesar de ainda publicados na América Latina, o desgaste do gênero após a Segunda Guerra Mundial também se fez aqui presente. As discussões travadas nos Estados Unidos acerca de publicações como as revistas em quadrinhos de super-herói e de terror, ressoaram no Brasil e no Chile, vide os debates sobre a veiculação de conteúdos morais no formato dos quadrinhos que ocorreram em ambos os países. No Brasil, um “código de ética” chegou a ser adotado pelas grandes editoras do país em 1961, seguindo os moldes do que fora concebido anos antes nos EUA (Silva Junior 2004); no Chile, a crítica às HQs de super-heróis e de terror seria encampada explicitamente em editoriais e suplementos de Quimantú.7
Outros caminhos que podem ajudar a entender o desaparecimento dos super-heróis das memórias dos depoentes podem ser aventados a partir dos pontos de vista editorial e político. O que se constatou é que, no geral, manter uma produção de material próprio de super-heróis não fazia parte dos planos dos artistas; tampouco a perspectiva de desenvolver uma carreira nos Estados Unidos se colocava como um horizonte viável. Obtido a preços baixos através de syndicates, possivelmente o formato era considerado um produto bastante específico da cultura dos Estados Unidos, sendo valorizado enquanto tal. Além disso, era uma indústria ainda bastante incipiente na América Latina. Chama atenção, por exemplo, a iniciativa da Editora Brasil-América Limitada (EBAL), de lançar em 1947, cerca de dois anos após sua fundação, uma revista intitulada Superman. Na capa da publicação constavam os personagens “Batman”, “Robin” e “Super-Homem”. Aliás, a tradução para o português do nome do alter-ego de Clark Kent não foi por acaso; serviu para diferenciar a HQ de Siegel e Suster do que a editora compreendia como os heróis dos quadrinhos. Em outras palavras, o título da revista, Superman, também servia de conceito para englobar todos os heróis de HQs lançados por ela, ao passo que Super-Homem designava o personagem específico lançado em 1938. Em seu editorial de estreia, a trajetória editorial dos heróis da “América do Norte” é descrita em tons de aventura:
No Brasil, os heróis de Superman também são muito conhecidos. Iniciaram-se em uma das nossas revistas juvenis mensais. Passaram para outra. Depois para outra. Voltaram à primeira. Vez em vez ressurgem aqui e além, até que, definitivamente, por contrato feito entre as partes interessadas do Brasil e da América do Norte vão se firmar no Superman – a revista dos cinco continentes.8
Nesse sentido, é como se os heróis dos quadrinhos fossem, em si, supermen, na medida em que são personagens de quadrinhos oriundos da “América do Norte”. Isso já os dotava, em si, de relevância suficiente, esvaziando-se, aqui, por outro lado, as conotações super-heroicas de nomes como “Batman” e “Super-Homem”. No Brasil, os super-heróis tornam-se apenas mais um entre outros heróis dos Estados Unidos. Tal operação de apropriação cultural envolvendo super-heróis é coerente, por sua vez, com a ausência de trabalhos significativos em quadrinhos com super-heróis em contextos distintos, como o francês, o argentino, o espanhol e o mexicano, por exemplo, apenas para dar alguns exemplos. O Japão chegou a produzir sua própria versão de Batman, em função do sucesso do personagem durante os anos 1960. Voltado para adolescentes, tinha o nome de Battoman. O fato, porém, é que os mangás também não contam com uma tradição de super-heróis.9
Tais questões levaram por associar a estética dos super-heróis à cultura norte-americana – e daí se desdobra a última hipótese em torno do silêncio sobre tais HQs na memória dos desenhistas da CETPA e da Quimantú. Por serem marcados por uma rede de sociabilidades forjada por um engajamento político favorável a iniciativas de defesa da produção nacional e em contraponto à “invasão” estrangeira, os super-heróis desaparecem da memória dos nossos artistas. Nos casos brasileiro e chileno aqui analisados, é nesta lacuna de memória que se estabelece o lugar dos super-heróis na memória dos quadrinhos; eles se inserem nas “zonas de sombra” da lembrança, para usar a imagem de Pollak (1989). Com isso, os laços entre a produção nacional e o cenário internacional são estabelecidos por meio da inserção dessa produção numa linhagem de autores que permitem afirmar a legitimidade dos quadrinhos enquanto arte, como Raymond e Foster.
O foco dos relatos dos artistas certamente residiu em suas preferências e afinidades em relação a um conjunto de HQs. À maestria no traço –“se o desenho era ruim, eu nem olhava”, “nem prestava a mínima atenção”, diz Luiz Saidenberg10–, os quadrinhos primavam também pela narrativa. Influenciada historicamente pela literatura barata conhecida como pulp, a HQ devia atrelar um bom trabalho gráfico a uma narrativa envolvente, que construísse vínculos com o leitor de acordo com a periodicidade do formato de publicação. Os depoentes manifestaram atenção quanto a isso e ressaltaram que, em sua formação cultural errante, acumularam uma bagagem cultural que ia além das HQs.
Para os casos analisados, convém considerar que a comunidade de produtores e consumidores de HQs é regida por aquilo que Bourdieu (2007) caracteriza como autodidaxia, sendo caracterizada pela formação de um perfil autodidata. Em sua obra A distinção, o sociólogo francês argumenta haver uma relação bastante direta entre os capitais cultural e econômico, discernível através das homologias existentes entre a fruição de determinados produtos artísticos e os modos e condições herdados da vida material. Essa relação é também mediada por outros capitais, como o escolar e o familiar. A formação autodidata é, portanto, resultado de “diferentes estratégias de investimento cultural não garantido pela instituição escolar” ou por outras iniciativas institucionalmente reconhecidas de engenharia cultural (Bourdieu 2007). Bourdieu identifica uma série de práticas culturais contemporâneas à época de redação do livro –o original é de 1979– que, excluídas do arcabouço dos padrões de gosto da cultura aristocrática, apontam para uma erudição própria que poderia compensar a carência inicial de capital cultural de determinados grupos.
O autodidatismo se expressaria, segundo Bourdieu, em dois estilos, um “antigo” e outro “novo”. O primeiro resultaria de uma “exclusão, a um só tempo, brutal e precoce” em relação à cultura estabelecida, que inclina o indivíduo a um contínuo esforço pela restauração dos laços rompidos. Os autodidatas de novo tipo são aqueles que se mantiveram por algum tempo no sistema escolar, o suficiente para estabelecerem uma relação desencantada e mais autônoma com a cultura oficial, investindo seus esforços em terrenos excluídos desse universo, como, por exemplo, o jazz e as histórias em quadrinhos. Os de novo tipo seriam mais inclinados às intervenções iconoclastas e às publicações de vanguarda (Bourdieu 2007, 81-82). Contudo, tais estilos não devem ser compreendidos como categorias estanques, pois dependem da relação mais ampla entre cultura escolar e capital cultural, conforme sintetizado abaixo:
[...] determinadas artes médias, tais como o cinema e o jazz, e, ainda melhor, as histórias em quadrinhos, a ficção científica ou o romance policial, estão predispostas a atrair os investimentos seja de quem não conseguiu a total reconversão de seu capital cultural em capital escolar, seja daqueles que, não tendo adquirido a cultura legítima segundo o modo de aquisição legítimo (ou seja, por familiarização precoce), mantêm com ela, objetiva e/ou subjetivamente, uma relação deplorável: estas artes em vias de legitimação, desdenhadas ou negligenciadas pelos detentores de maior capital escolar, oferecem um refúgio e uma desforra àqueles que, ao apropriarem-se delas, fazem a melhor aplicação de seu capital cultural (sobretudo, se este não for plenamente reconhecido escolarmente), ao mesmo tempo que se atribuem o mérito de contestar a hierarquia estabelecida em relação às legitimidades e aos lucros (Bourdieu 2007, 84).
Bourdieu reconhece que, na altura em que escreve, os quadrinhos já apresentam uma trajetória consagrada (Bourdieu 2007, 30), definida a partir do estabelecimento de referências, HQs favoritas, desenhistas e autores reconhecidos, entre outros aspectos (Boltanski 1975, 35-59).
O tratamento dado por Bourdieu à construção social da fruição cultural de um saber como os quadrinhos, a par das instituições culturais estabelecidas, auxilia as reflexões a respeito das memórias dos artistas da CETPA e da Quimantú sobre as primeiras atividades ligadas às HQs. A ele, adicionamos as considerações críticas de John Fiske: para Fiske, a interpretação de Bourdieu tende a subestimar a criatividade da “cultura popular” e as diversas estratégias de legitimação social e de obtenção de capital cultural que ela introduz em suas ações. Com discurso complementar ao de Bourdieu, Fiske propõe atenção à fandom culture –que, em tradução literal, significa algo como “cultura dominada por fãs”– como expressão cultural legítima de grupos que interagem sem submissão instantânea à dominação cultural burguesa, mas se apropriam de seus procedimentos de construção de valores (Fiske 1992). Em diálogo com Fiske, é importante lembrar do trabalho de Henry Jenkins, cuja reflexão sobre a fandom culture sugere que esta promove uma operação de tradução, onde consumo de um bem cultural por um fã se torna “uma espécie de atividade cultural, ao compartilhar sentimentos e ideias sobre o [...] conteúdo com amigos, integrando uma “comunidade” de outros fãs que compartilham interesses comuns” (Jenkins 2006, 41; tradução minha).11 O cenário que se desenha até aqui, com base nas leituras de Bourdieu e Fiske, ajuda a melhor compreender as estratégias discursivas manifestas nas memórias, nos marcos daquilo que Bourdieu denominou de “ilusão biográfica” (Bourdieu 2006), bem como os itinerários e as trajetórias dos nossos intelectuais do traço. Dessa forma, os espaços de sociabilidade intelectual que contribuíram para a formação artística e intelectual dos artistas da CETPA e da Quimantú também merecem atenção.
Ainda que se possa afirmar que as HQs se encontravam plenamente inseridas tanto no Chile quanto no Brasil dos anos 1960-1970, isso não quer dizer que a sua produção fosse reconhecida socialmente como atividade artística. A própria disputa que ocorria na imprensa entre políticos e intelectuais a respeito da sua função social é indicativa do grau de tensão que as HQs proporcionavam. No Brasil, foi motivo de amplo debate desde os anos 1940 e, segundo Silva Junior, ajudou a formar e a fortalecer verdadeiros conglomerados de mídia, como o grupo editorial O Cruzeiro e a Rio Gráfica Editora, dos jornalistas Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, respectivamente, por exemplo (Silva Junior 2004). No Chile, o debate público ainda era incipiente em fins dos anos 1960, mas aprofunda-se na esteira das discussões mais amplas sobre meios de comunicação de massas, culminando na conhecida obra de Dorfman e Mattelart, Para leer al Pato Donald [1971] (Rojas Flores 2016, 64-71, 255-269). Além disso, a criação de histórias em quadrinhos ainda era ocupação menor e pouco rentável; seu formato híbrido, que dispunha sequencialmente imagens articuladas a textos, parecia representar barreira à construção de uma especificidade no campo cultural.
A produção editorial de quadrinhos expressa, na dimensão profissional, ambiguidade análoga à que marca as HQs no âmbito estético. Os artistas envolvidos com HQs lidam com dilemas artísticos em espaços de comunicação massiva, como o jornal ou as revistas de variedades, cuja periodicidade varia de diária a mensal. Isso significa dizer que, ao mesmo tempo em que devem ser capazes de produzir obras de impacto gráfico que agradem o público, os criadores de HQs precisam responder rapidamente às expectativas comerciais de seus patrões. Historicamente, isso fez com que muitos dos desenhistas de quadrinhos se mantivessem ligados ao mercado de imprensa, trabalhando com cartuns e charges em paralelo às HQs, sem maiores delimitações de fronteiras. Isso se observa no caso dos artistas da CETPA e da Quimantú, cujas formações profissionais incluem tanto as escolas de arte quanto as agências de publicidade. Por outro lado, o trânsito entre cartuns, charges e HQs se aproxima daquilo que Gandolfo aponta acerca da delimitação de fronteiras, presente no campo cultural dos quadrinhos argentinos, entre desenhistas “realistas” –dedicados, no geral, a quadrinhos de gêneros variados, como guerra e ficção científica, entre outros– e “humoristas gráficos”. Não obstante esta classificação ter servido para delimitar historicamente a atuação profissional e os espaços de sociabilidade entre os artistas, Gandolfo considera que as conclusões que sua investigação centrada sobre o humorista gráfico Oski também podem ser aplicadas aos desenhistas de estilo realista (Gandolfo 2018, 179). Ou seja, indica-se aqui, no contexto latino-americano, há uma forte aproximação, do ponto de vista profissional, entre cartunistas e quadrinistas.
O chileno Abel Romero, nome importante da “División de Historietas” da editora Quimantú,12 foi categórico quanto à sua atuação nos quadrinhos em seu início da carreira. Deixou claro que “não se interessava por quadrinhos nessa época, ainda que tenha ficado muito conhecido” após trabalhar como desenhista na série policial Desfiladeros, publicada pelo jornal El Mercurio em 1955. Romero direcionou seus esforços à publicidade, “muito melhor paga” e, por isso, “não queria fazer quadrinhos”. Ainda que tenha mantido as atividades diárias com HQs, realizava-as de maneira quase improvisada, quando não as delegava para outras pessoas, que desenhavam na Desfiladeros enquanto mantinha a série sob seu nome (Romero 2003).
Ao contrário da maioria dos estudantes de arte, logo que saí da universidade busquei um trabalho pelo qual me pagassem. Em 1947, encontrei-o numa empresa, Propagandas Cañas, do sr. Raúl Cañas Montenegro. Dedicava-se basicamente a propagandas de cinema para empresas norte-americanas, como Metro-Goldwin Meyer, Universal, Pelmex e outras. Ele se entusiasmou de imediato pelo meu trabalho e pela rapidez com que eu o executava. Um dos meus primeiros trabalhos foi um cartaz gigante, de 12 metros, no cinema Santa Lucía, do filme Duelo ao sol [Duel in the sun, no original]. Lembro-me de ficar em frente ao cinema para admirá-lo. Os vencimentos eram muito bons e me permitiram comprar um carro antes de ter vinte e um anos, que era a idade mínima para se obter permissão para dirigir (Romero após García 2003, s. p.; tradução minha).
No Brasil, o caso de José Geraldo Barreto é ilustrativo. Seu relato buscou ressaltar uma carreira voltada para a defesa das HQs brasileiras, localizando a CETPA, na qual foi diretor, numa tradição nacional comum a outros trabalhos nos quais se envolveu anteriormente, como nas editoras O Cruzeiro e EBAL. Porém, em paralelo aos quadrinhos, ele exerceu atividades distintas e que pouco se relacionavam às HQs: Barreto, por exemplo, vendeu anúncios em São Paulo e no Rio de Janeiro; atuou no setor de arte da empresa Winthrop, ligada a produtos farmacêuticos; envolveu-se em negócios pouco exitosos relacionados à concessão de transporte rodoviário no trecho entre Rio de Janeiro e São Paulo; negociou carros importados (Barreto 2001).
Os depoimentos de Romero e de José Geraldo foram colhidos quando ambos –assim como o conjunto dos artistas que cederam depoimentos a mim ou a terceiros– já gozavam de legitimidade no interior da comunidade de fãs e de entusiastas das HQs – de fato, hoje é difícil imaginar uma história abrangente das HQs no Brasil ou no Chile que fosse escrita sem passar por eles. No entanto, suas memórias relativas aos primeiros trabalhos no campo dos quadrinhos não deixam de causar estranhamentos. Afinal, o que significa constatar que uma parte importante da trajetória histórica das HQs brasileiras e chilenas foi realizada por nomes cujo interesse por essa forma de expressão ocorria, não raro, em paralelo a outras atividades, no intervalo entre outros ofícios?
O perfil algo improvisado exposto por Romero pode ser percebido nas carreiras de outros artistas envolvidos nos mercados brasileiro e chileno de quadrinhos. Nenhum dos entrevistados acusou ter frequentado cursos ou escolas voltados ao ensino e à análise estética das HQs. Não foi possível encontrar indicações de que tais espaços tenham chegado a existir no Brasil ou no Chile. Esse cenário é bem distinto daquele que se encontrava em países como Estados Unidos e Argentina, onde “escolas nacionais” de desenho com foco em HQs difundiram técnicas próprias dos quadrinhos em cursos e por meio de apostilas próprias.13 No caso dos artistas brasileiros e chilenos, mais comum foi o ingresso em escolas de arte, na busca de formação ampla para a ilustração.
Parece haver aqui um indicativo de que o desenvolvimento histórico das HQs na América Latina ocorreu no nível do cotidiano, sujeito a pressões sociais, econômicas e culturais que obrigaram muitos artistas a superarem uma noção idealizada de artista. As HQs se tornam um trabalho como outros. Além disso, podemos também refletir sobre essa dimensão “lacunar” do ofício dos quadrinhos, presente tanto na formação acadêmica, que escapa de trajetórias educativas convencionais, quanto no lugar ocupado pelos quadrinhos na vida profissional dos nossos artistas. Tais aspectos distinguem o lugar dos quadrinhos e seus agentes no campo cultural latino-americano aqui analisado.
A aptidão para o desenho e as necessidades financeiras também fizeram com que muitos ingressassem no campo da publicidade, principalmente nos anos pós-Segunda Guerra Mundial. Nos EUA, foram os anos do design, da publicidade e do elogio de um modo de vida moldado pelo consumo de bens manufaturados (Phillips 1999, 109-110). Na América Latina, zona de influência estadunidense ao longo da Guerra Fria, o cenário se transformava em direção análoga. Revistas segmentadas e voltadas a públicos específicos demandavam maior zelo editorial para cativar seus leitores, pois era necessário o uso de diagramação adequada à veiculação de anúncios publicitários condizentes com o perfil da revista (Correa 2008). Muitos dos desenhistas brasileiros e chilenos entrevistados destacaram trabalhos na publicidade e em atividades paralelas às dos quadrinhos ao longo de suas carreiras.
Ainda na adolescência, Herví publicou seus primeiros desenhos em jornais e trabalhou com cartuns e caricaturas políticos no jornal La Voz. Entre 1967 e 1968, envolveu-se diretamente na equipe editorial que lançou a revista independente La Chiva, um dos marcos do humor de costumes na história do humor gráfico chileno. Um pouco antes de se dedicar à La Chiva, cursou a faculdade de arquitetura por cinco anos, sem concluí-la: no fim do curso, decidiu dedicar-se ao desenho gráfico.14 Júlio Shimamoto teve mais dificuldades no início. Após ingressar em empregos distantes do vago interesse que tinha em desenho, desenvolvido em um curso que considerava “travado” na Associação Paulista de Belas-Artes, Shimamoto tentou desenhar material de publicidade para a rede de departamentos Sears, sem sucesso. Tudo mudou quando produziu uma espécie de portfólio de trabalhos em quadrinhos, entregando-o a Miguel Penteado, que trabalhava na editora Novo Mundo.15
Ao analisarmos as trajetórias artísticas dos profissionais que atuaram na CETPA e na Quimantú, constata-se que nenhum dos “intelectuais do traço” se encontrava ali no primeiro emprego na área de HQs. Isso significa que havia neles um acúmulo não só de experiências, mas também de expectativas. Podemos associá-las aos desdobramentos que desaguariam na proposta de politização das HQs; todos entraram em contato com esse debate quando já atuavam cotidianamente no mercado de quadrinhos.
Ainda que CETPA e Quimantú tenham lançado material que lidava com uma série de temáticas relacionadas às esquerdas latino-americanas dos anos de 1960 e 1970 –a valorização do folclore e de heróis esquecidos do passado, por exemplo, sempre a partir de uma crítica aos comics dos Estados Unidos e, em particular, aos super-heróis–, o processo de produção de HQs em cada editora se deu de maneiras bastante distintas.
É notável a dificuldade que muitos dos entrevistados tiveram em rememorar seu cotidiano de trabalho na CETPA ou na Quimantú. O contexto sociopolítico em que as editoras estavam inseridas por vezes faz com que as atividades do dia a dia fiquem obliteradas por referências consideradas mais relevantes, como a Guerra Fria e a conjuntura política ligada aos governos de esquerda, por exemplo. Tal ponto se manifesta de forma especial entre os desenhistas que atuaram na CETPA. Como exemplo, novamente Shimamoto, que creditou a tentativa de nacionalização dos quadrinhos à “efervescência de autoestima” ocorrida no “período muito aceso” de fins dos anos 1950. Porém, ao mesmo tempo em que se referiu a nomes como Martha Rocha,16 Eder Jofre17 e Celso Furtado18 para ilustrar o contexto de empolgação nacional que originou a cooperativa gaúcha, Shimamoto soou reticente ao descrever seu dia a dia de trabalho na CETPA, comentando-o em poucas palavras e manifestando dúvidas em relação a ele.19
Já na editora chilena, a exposição ganhou tons mais animados, com relatos mais detalhados do cotidiano de trabalho, em grande medida por Quimantú ter sido considerada uma iniciativa editorial relevante no interior do projeto chileno de socialismo. Herví apontou detalhes de sua atuação na Quimantú fora da prancheta de desenho: ele ajudou a organizar e supervisionar material gráfico para Onda e Paloma, revistas de variedades direcionadas aos públicos adolescente e feminino, respectivamente. Porém, mesmo ele, reconhecido como nome importante na história das HQs chilenas, não se deteve na descrição do seu cotidiano de trabalho na editora como criador de HQs.20
O que se constata, pois, é que a memória do cotidiano da construção da prática cultural dos quadrinhos é fugidia em relação à memória coletiva mais ampla.
Como era um dia de trabalho nas editoras? As respostas apontaram para os diferentes níveis de organização de cada iniciativa. O cotidiano de trabalho da Quimantú era bastante atribulado, de acordo com todos os testemunhos. Trabalhando numa grande editora que priorizou a publicação de obras literárias em altas tiragens, livros dedicados à educação política e a outros temas da realidade chilena, os sujeitos entrevistados não se envolveram apenas com as revistas em quadrinhos da Quimantú, atuando também em outros departamentos. De forma geral, todos ressaltaram a intensa rotina, na qual “não havia tempo de respirar”, como diz Hilda López, funcionária responsável pela organização da revista La Firme.21
Falando no plural, Herví apontou que ele e os colegas chegavam às nove e meia da manhã e trabalhavam 12 horas por dia de segunda a sexta-feira. Em alguns fins de semana, realizavam trabalhos voluntários, como “encadernar e mandar livros para Cuba, por exemplo”.22 Os finais de semana também serviam para “ir a campo”: visitar espaços de organização coletiva de trabalhadores chilenos –sindicatos, associações de classe e as Juntas de Abastecimiento y Precios (JAP),23 entre outros– na busca de informações e temas de interesse para La Firme. Revista em quadrinhos que discutia, com humor, temas ligados ao cotidiano político do país, demandava de dois a três dias de dedicação para ser preparada. O tempo que restava na semana era direcionado para outras publicações da Quimantú – no caso de Herví, junto à revista Paloma, direcionada ao público feminino e onde foi diretor de arte, ou supervisionando o trabalho da equipe de desenho gráfico Onda, voltada a temas da juventude.
O cotidiano atribulado não foi motivo de reclamações por parte dos entrevistados chilenos. Pelo contrário, justificava-se em função de uma contribuição para o processo mais amplo de construção democrática do socialismo chileno. Nas palavras de Arturo Navarro, o período em que a Unidade Popular esteve no poder “era como um estado de revolução permanente”. Essa motivação o levava a chegar diariamente às sete e meia da manhã, envolver-se nas atividades da linha de contos infantis Cuncuna, sair da Quimantú por volta das seis da tarde para participar de reuniões até às oito da noite, emendadas com jantares e animadas confraternizações. Navarro também mencionou sua participação em trabalhos voluntários e destacou que alguns colegas tiveram que atuar na vigilância noturna da editora, após a sede da Quimantú ter sofrido ataques de grupos de oposição ao governo Allende.24
Na cooperativa gaúcha não foi possível perceber, pelos relatos coletados, grau semelhante de mobilização, o que denota a natureza das relações entre a CETPA e o projeto político de Leonel Brizola e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no estado do Rio Grande do Sul. Enquanto a editora chilena foi constituída por intermédio de uma solução proposta pelo recém-empossado regime socialista para um impasse trabalhista, a CETPA resultou de um acordo que envolvia José Geraldo, representante de desenhistas do Rio de Janeiro e da Guanabara, e Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, eleito pelo PTB, de perfil reformista e alguma penetração popular. Ao que tudo indica, a negociação foi estabelecida em termos bastante frágeis. Pensada para ser uma cooperativa e, portanto, dependente de “associados” que comprassem seus produtos, a CETPA encontrou uma série de dificuldades para difundir seus trabalhos.
Em todo caso, uma rotina de trabalho comum a todos os artistas não parece ter ocorrido. Artistas como Flávio Colin, Getúlio Delphim, Gedeone Malagola e Aylton Thomaz nunca chegaram a residir no Rio Grande do Sul: eles enviavam seus desenhos pelo correio e iam apenas ocasionalmente à capital gaúcha. Já Júlio Shimamoto tinha uma rotina menos sistemática de produção de HQs, uma vez que produziu obras de maior fôlego, de perfil didático, não sendo sua obra submetida às demandas diárias da tira de jornal. Quem residia em Porto Alegre e produzia tiras foram os artistas Renato Canini, Flávio Teixeira, Aníbal Bendati e Luiz Saidenberg.
O que se percebe então é que as relações de sociabilidade na cooperativa foram pouco efetivas. Os relatos são tímidos nesse sentido: quando não trabalhavam à distância, os desenhistas se encontravam no estúdio da CETPA, localizado na atual Rua dos Andradas, Centro Histórico de Porto Alegre. Costumavam trabalhar lá pela manhã e depois sair para almoçar. Segundo Saidenberg, em tais ocasiões eles conversavam sobre a cooperativa, não raro manifestando insatisfação em relação aos rumos tomados pela sua diretoria. Saidenberg e Shimamoto afirmam que poucas foram as ocasiões em que conseguiram se divertir durante os anos de trabalho no Rio Grande do Sul. São lembrados momentos como a visita de poucos dias de Getúlio Delphim à CETPA e a ocasião em que assistiram a um jogo clássico do futebol gaúcho entre Grêmio e Internacional, além de algumas saídas noturnas pela).25
A tarefa de analisar as HQs enquanto uma experiência histórica implica em refletir sobre a historicidade desta prática cultural em um sentido amplo. Um olhar historicamente orientado deve pautar-se por um esforço permanente de desnaturalização e de contextualização das histórias em quadrinhos, tendo como princípio a passagem do tempo enquanto elemento transformador.
Consideramos que a memória segue pouco explorada entre os estudiosos das HQs. Se, por um lado, a memória é um tema já bem estabelecido na historiografia contemporânea desde o século xx (Confino 2011, 36-51), por outro, chama atenção a carência de pesquisas que assumam as memórias de artistas de quadrinhos enquanto um problema central. A isso possivelmente podemos atribuir o fato de que, em grande parte, a afirmação dos quadrinhos enquanto um bem cultural se valeu da erudição memorialista de colecionadores, entusiastas e agentes do mercado de HQs, como editores e artistas, resultando em espaços de sociabilidade cultural como os fã-clubes e em publicações como fanzines. Neles, afirmava-se um saber calcado na memória e na experiência sistemática de leitura.
O estudo da memória, portanto, estimula a reflexão sobre a constituição dos quadrinhos enquanto uma prática social complexa. Por meio dela, podemos refletir sobre a afirmação de cânones artísticos, os perfis profissionais e as rotinas de trabalho. É no intervalo –ou, para recorrer a uma imagem que convém aos quadrinhos, na lacuna, na sarjeta– entre o dito e o não dito que se afirma a história em quadrinhos como parte da cultura contemporânea. Visto que se busca aqui analisar as disputas por representações, discursos e práticas culturais ligadas ao objeto cultural HQ, o próprio esquecimento serve de indício da presença de enquadramentos da memória e da necessidade que os indivíduos têm de utilizá-los para construir sua identidade (Pollak 1989, 12-13).
No caso da América Latina, identificamos este processo ao longo da segunda metade do século xx, em particular entre as décadas de 1950 a 1970. Neste período, constitui-se a existência de uma “comunidade de leitura” própria das HQs, com artistas e obras de referência elencados a partir de critérios bastante específicos. A partir dessas práticas de leitura e da demanda crescente de um mercado consumidor interessado nesse novo produto cultural chamado “histórias em quadrinhos”, começaram a ser desenvolvidas as primeiras redes de sociabilidade ao redor de artistas, editoras e revistas em ambos os países. Mas são também os anos onde a Guerra Fria impacta diretamente a região e, no campo da produção artístico-cultural, ganha força uma cultura política de esquerda que enxerga o “imperialismo cultural” dos Estados Unidos como uma estratégia para a afirmação da hegemonia desse país sobre a América Latina. Entre artistas de quadrinhos onde este debate ecoa, parece surgir a pergunta: o que fazer com esta forma de expressão, de conhecida origem estadunidense? É preciso assumi-la como parte da cultura nacional latino-americana, desconstruindo as operações ideológicas dos comics e substituindo a sua importação pela produção local de historietas e histórias em quadrinhos.
O que o artigo pretendeu demonstrar é que a memória jogou um papel relevante neste processo. Dentre os entrevistados da brasileira CETPA e da chilena Quimantú, ela estabeleceu marcos estéticos de referência, relegando a leitura de super-heróis na infância a um lugar secundário ou, quando presente, como parte do esforço de propaganda dos Estados Unidos em afirmar seu ponto de vista sobre os leitores. Além disso, possibilitou os sujeitos entrevistados a afirmarem um caráter a um só tempo precarizado e espontâneo para o início de suas atividades profissionais, ressaltando-se aqui a criatividade para lidar com as adversidades. E, por fim, os desafios para organizar uma rotina de trabalho que desse conta das demandas por publicação, ainda que nem sempre com resultados satisfatórios. A consolidação dos gostos e dos cânones do formato, a transmissão de conhecimentos e o amadurecimento do trabalho dá aos criadores de quadrinhos o lugar de verdadeiros “intelectuais do traço”, autodidatas que contribuem para forjar uma “homogeneidade e consciência da própria função” (Sirinelli 1996, 255; Gramsci 2010, 18), não obstante o processo de produção de uma HQ, por vezes, mais se aproximar da ideia marxista de “alienação” do trabalho. Acima de tudo, eles se organizaram coletivamente em função das HQs e direcionaram suas carreiras para empreendimentos editoriais que encamparam novas propostas para os quadrinhos brasileiros e chilenos.
Apesar dos intensos debates e conflitos cotidianos que poderiam ter inviabilizado a produção de material em quadrinhos, ela se movimentou e seguiu seu curso. As propostas formuladas para as HQs brasileiras e chilenas, que deveriam servir de contraponto crítico ao “imperialismo cultural” em curso, alcançaram jovens consumidores também formados a partir de uma “comunidade de leitura” marcada pela penetração massiva dos comics.
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Recebido: 11.10.2022
Aprovado: 19.12.2022
1 As relações entre as noções de intelectual e espaços de sociabilidade foram inspiradas nos trabalhos de Gomes (1999) e Sirinelli (1996).
2 A publicação de revistas de super-heróis se consolidou no Brasil e no Chile nos mesmos anos da retração do mercado norte-americano para publicações do gênero. A importância da exportação de revistas em quadrinhos nesse período para a manutenção de uma editora como a DC Comics, por exemplo, carece de atenção entre pesquisadores. O livro de Blue (2022) pretende dar conta da difusão de uma série como Superman a partir da atuação de Caroll Rheinstrom, incluindo capítulos dedicados à América Latina e, em particular, ao Brasil.
3 A comparação com a geração mais recente de artistas de quadrinhos ajuda a reforçar o argumento original. Agradeço a Amadeo Gandolfo pelo interessante paralelo.
4 Renato Canini em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Pelotas, 14 de julho de 2013).
5 No Brasil, decasségui é o termo utilizado para referir-se aos japoneses que imigraram para o Brasil em busca de trabalho. Em tradução literal do japonês, significa “trabalhar longe de casa”.
6 Júlio Shimamoto em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Rio de Janeiro, 06 de junho de 2013).
7 No entanto, é importante tratar esse ponto com cautela, de forma a não aplicar se mediações a dinâmica editorial própria dos EUA aos contextos brasileiro e chileno. Campanhas análogas ocorreram em países como Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Filipinas, Taiwan, Coreia do Sul e Japão, respondendo às questões locais e históricas de cada contexto (Lent 1999). Infelizmente a obra de Lent não contempla nenhum caso latino-americano.
8 Superman, n.o 1, nov. 1947.
9 Astroboy, criação de Osamu Tezuka de 1952 e influenciada pela estética Disney, situa-se entre a tradição norte-americana de HQs de super-heróis dotados de habilidades especiais e a humanidade da abordagem franco-belga. Rosenbaum entende o personagem como uma representação simbólica da juventude nipônica pós-Segunda Guerra (Rosenbaum 2013).
10 Luiz Saidenberg, em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (São Paulo, 27 de julho de 2012).
11 Para uma discussão acerca das relações entre quadrinhos e fandom culture, cuja abrangência escapa da proposta deste artigo, cf. Pustz (2020, 267-274).
12 Uma descrição da organização geral da “División de Historietas” de Quimantú pode ser encontrada em Rojas Flores (2013, 269-277).
13 Foram reveladores os depoimentos de nomes importantes dos quadrinhos argentinos, como Roberto Fontanarrosa e José Muñoz, sobre a atração que a presença de um artista do porte de Hugo Pratt na EPA exercia sobre eles, então jovens aprendizes (Vázquez 2010, 61-67).
14 Hernan Vidal (“Herví”) em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Santiago de Chile, 24 de janeiro de 2013).
15 Júlio Shimamoto em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Rio de Janeiro, 06 de junho de 2013). Novo Mundo foi a editora paulistana fundada por Victor Chiodi que publicou títulos de terror e materiais da King Features Syndicate durante as décadas de 1950 e 1960.
16 Vencedora do concurso Miss Brasil em 1954, concorreu no mesmo ano ao prêmio de Miss Universo, nos Estados Unidos, tendo alcançado a segunda posição. Logo difundiu-se a lenda de que ela teria perdido por ter duas polegadas a mais no quadril, o que foi uma forma de valorizar a beleza da mulher brasileira diante da derrota. No ano seguinte, uma marchinha de Carnaval exaltava o feito: “Por duas polegadas a mais, passaram a baiana pra trás/Por duas polegadas, e logo nos quadris/Tem dó, tem dó, seu juiz!”. Rocha faleceu em 2020.
17 Eder Jofre foi um boxeador brasileiro que conseguiu unificar os títulos na categoria peso galo em 1963, tornando-se o primeiro brasileiro detentor do título de campeão mundial de boxe.
18 Celso Furtado foi um destacado economista e intelectual brasileiro. Tornou-se conhecido por seus estudos sobre Economia e Estado, ressaltando o papel deste para a superação da condição de subdesenvolvimento na América Latina.
19 Júlio Shimamoto em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Rio de Janeiro, 06 de junho de 2013).
20 Hernan Vidal (“Herví”) em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Santiago de Chile, 24 de janeiro de 2013).
21 Hilda López em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Santiago de Chile, 20 de janeiro de 2013).
22 Hernan Vidal (“Herví”) em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Santiago de Chile, 24 de janeiro de 2013).
23 Em atividade desde 1971 e regularizadas por decreto no ano seguinte, as JAP eram espaços de reunião dos representantes de organizações de trabalhadores e de outras categorias (estudantes, por exemplo), cujo objetivo era combater problemas de abastecimento e especulação de mercadorias (Borges 2011, 77).
24 Arturo Navarro em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Santiago de Chile, 15 de janeiro de 2013).
25 Renato Canini em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Pelotas, 14 de julho de 2013); Luiz Saidenberg em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (São Paulo, 27 de julho de 2012); Júlio Shimamoto em entrevista concedida a Ivan Lima Gomes (Rio de Janeiro, 3 de junho de 2013).