DOI: 10.18441/ibam.25.2025.90.123-146
Elisângela da Silva Santos
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp, FFC-Marília), Brasil
licass20@gmail.com
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-2401-9999
Neste artigo temos como objetivo analisar, as cartas recebidas por José Enrique Rodó, em resposta aos seus informes sobre o desenvolvimento da sua obra mais desafiadora, Motivos de Proteo, publicada em 1909. As cartas são reveladoras das impressões e expectativas que seus diálogos epistolares traziam sobre o longo, intenso e frequente processo criativo rodoniano naquela década.
Para nossa reflexão estabelecemos como recorte temporal a análise das cartas trocadas entre 1900 e 1908, antecedente à publicação do livro, uma vez que elas trazem informações e diversos sinais que auxiliam no percalço dos movimentos da escrita de Rodó; simultaneamente revelam um horizonte de expectativas que se abriu nesses “amigos intelectuais” em relação ao texto, publicado quando o uruguaio já era tido como o grande mestre de parte de sua geração.
Nas cartas enviadas pelo autor, no período analisado, há uma preocupação recorrente em explicar o processo de produção de sua obra, sendo que em algumas delas reclama da impossibilidade de dedicar-se exclusivamente à escrita, por ter que se voltar a outros trabalhos, ou até mesmo pela falta de inspiração, motivada por crises pessoais, ou devido a acontecimentos políticos que assolaram seu país no período.
O autor uruguaio foi um correspondente extremamente ativo e obstinado, em muitos momentos escrevia mais de uma missiva por dia, como é possível conferir nas datações de seus cadernos de rascunhos de cartas enviadas para vários de seus correspondentes. Traço constante em sua correspondência é o relato dos esboços dos projetos nos quais estava inserido, seus planos literários, a difusão de sua produção intelectual, e o frequente compartilhar das questões intelectuais ligadas ao continente latino-americano.
Em seu rico epistolário conservado no arquivo de José Enrique Rodó, é possível perceber através das correspondências passivas o quanto Rodó instigava a curiosidade intelectual e pessoal de alguns interlocutores, também observamos nos conteúdos destas cartas, temas como editoração, conversas sobre os originais, solicitações de divulgação parcial em periódicos literários da época, etc.
Na perspectiva adotada aqui, observamos que o projeto estético de Rodó construído em Motivos de Proteo, se fundamentou fortemente nas correspondências despachadas e recebidas por ele, de e para diversas partes do mundo.
Alguns de seus principais estudiosos (Ibáñez 1967; Rodríguez Monegal 1967; Castro Morales 2013) já analisaram boa parte das cartas escritas por Rodó, pois esse foi um veículo comunicacional muito utilizado pelo autor. Nos importa aqui deslocar o diálogo e observar como aqueles que recebiam notícias sobre seu novo livro reagiam. Não foram poucas as correspondências que refletiram sobre Motivos de Proteo, mesmo antes de sua publicação. Em consulta e análise em seu arquivo, detectamos que a obra foi aspirada por seus interlocutores, justamente a partir das notícias que Rodó lhes enviava, semeando uma inquietação positiva em seus correspondentes.
A maior parte das cartas acessadas na nossa fonte de dados, pertence ao arquivo físico de José Enrique Rodó, sendo muitas inéditas – não publicadas e nem analisadas por muitos de seus estudiosos. Nosso esforço aqui, ao partirmos dessa correspondência, é o diálogo profícuo que o autor traçou com muitos intelectuais que muitas vezes também detinham posições dominantes no campo de atuação literária e intelectual em seus países, da mesma forma que Rodó. Portanto, esse movimento permite conhecer uma parte da opinião desses correspondentes sobre a literatura produzida no continente, e como as cartas foram cruciais para a formação de redes regionais de pensamento intelectual sistêmico na América Latina.
Um traço muito comum presente entre esses escritores foi a carta utilizada como veículo de produção de instâncias de divulgação de ideias e de livros, de alianças que se forjaram em torno da produção cultural do continente. Segundo Claudio Maíz (2011), a rede funciona como categoria dinâmica, porosa e elástica, que constantemente deslocam noções como influência e geração.
Claudio Maíz (2009) ressalta que a chamada metodologia das “redes intelectuais” contribui para revelar, no estudo dos fenômenos intelectuais, dimensões diversas, a partir de outras perspectivas. Portanto, é preciso fixar-se num horizonte metodológico que transcenda a centralidade do Estado-Nação e os respectivos paradigmas que o sustentam. Admite-se de antemão que as três dimensões –nação, geração e lugar– estejam em crise, já que estes princípios nos impedem de compreender, de maneira mais transversal, a produção cultural ibero-americana em sua relação com a Europa.
Nosso esforço empírico visa observar como a carta, muitas vezes alocada fora do espaço literário (Diaz 2018), no sentido estrito –que conferiu privilégio à análise dos textos de ficção, teatro e romance– pode reforçar identidades literárias e de pensamento, por isso pode ser considerada como um documento permeado de intenções, no caso de Motivos de Proteo, foi instrumento fundamental, inclusive na configuração de sua forma dialogada e aberta, à espera de partilhas e de juízos críticos. Deste modo, acreditamos que o texto apresenta uma articulação entre o estudo da sociabilidade particular compilada por José Enrique Rodó, especificamente a partir de seu livro Motivos de Proteo, em um contexto em que os circuitos de distribuição editorial dependiam muito dos esforços do próprio escritor. Como resultado deste diálogo entre escritor, pares e leitores, é possível observar as diversas conexões entre o processo criativo do autor como mediador entre a busca pelo ideal estético e o constante debate sobre os diagnósticos e tendências em torno da literatura produzida no continente.
Para a exposição do argumento o texto está dividido em três partes: nesta introdução apresentamos as questões gerais do artigo e seus objetivos, apontando a conexão entre a literatura rodoniana e a correspondência, um importante veículo de divulgação de uma sociabilidade literária forjada a partir das cartas. No segundo momento, apontamos as características gerais da obra Motivos de Proteo, ressaltando principalmente o projeto inicial do autor, narrado em sua correspondência ativa, onde apostava em um livro concebido a partir do que chamou de literatura de ideias, fruto da discussão sobre a necessidade do desenvolvimento do pensamento elaborado, vendo na arte um sentido educador e humano, capaz de oferecer à geração jovem uma direção espiritual. Como o texto foi pensando a partir da forma dialógica, que também girou em torno das trocas de cartas, apontamos nesse item que Rodó teceu uma rede intelectual em torno de sua obra. A ideia de rede enunciada nos serve como ferramenta heurística para observar a disseminação proposital de Motivos de Proteo, cuja conexão com seus futuros leitores estava presente na correspondência do autor, encarado como uma espécie de vetor de uma geração de intelectuais, pensadores, poetas, literatos e livreiros dispersos pelo mundo intelectual hispano-americano.
Por fim, ao enfatizarmos as cartas trocadas ou recebidas de editor de livros e de periódicos (José María Serrano, Pérez y Curis, Perfecto B. Lopez Campaña), do discípulo (Francisco García Calderón), do colega de profissão (Santos Chocano), dos críticos consolidados no continente (Baldomero Sanín Cano, Pedro Henríquez Ureña), do mestre (Rafael de Altamira), do conterrâneo influente (Norberto Estrada), do leitor longínquo, mas nem por isso menos admirador (Luis Schmidtkey).
Será possível observar que essa correspondência não possui um caráter burocrático e formal, mas seria, também, um exercício que integra o processo criativo de uma obra, desde a vontade confessa de publicação fora do território nacional, a divulgação de ideias, uma forma de conquistar futuros leitores, e principalmente a partilha da experiência da escritura de Motivos de Proteo.
Nossa abordagem se baseia em uma perspectiva que busca situar historicamente um contexto epistolar, bastante particular da biografia intelectual de Rodó, que seria a construção de sua figura pública, a partir de Motivos de Proteo, ou seja, naquele momento, o escritor traçava uma espécie de crônica da obra que se encontrava em andamento. Nas cartas enviadas comentou sobre suas dificuldades, apontou suas impressões sobre a elaboração do livro, demonstrou muitas vezes seu estado de alegria ou de desânimo, portanto, elas foram os primeiros lugares onde afirmou sua escrita, em busca de obter reconhecimento social.
Para Ana María Barrenechea (1990), a carta cumpre uma função comunicativa, que pode abarcar diferentes tipos de ações, sua origem é extra literária, mas mantem forte relação com a literatura, pois sua matriz é um objeto cultural básico que para alguns representa uma das manifestações mais primitivas, para alguns é um tipo de conduta linguística escrita, para outros um tipo de discurso, mas como todo gênero, representa um programa para a atualização do que se escreve e do que se lê, do emissor e do receptor. Portanto, a comparação dos epistolários permite inquirir sobre as distintas estratégias do escritor com os diferentes participantes: “Así se revela un rasgo que destacan constantemente en la epístola: la adecuación estratégica al destinatário” (Barrenechea, 1990, 53).
Haroche-Bouzinac, (2016, 166) comenta que a carta se afirma como um espaço para “pôr à prova o olhar e a avaliação de outrem”, e a distância epistolar tempera a reação irrefletida que emergiria em um diálogo mantido pessoalmente, e segundo uma metáfora consagrada pela crítica, a carta é, “efetivamente, o laboratório da obra”.
Motivos de Proteo é considerado por parte de sua fortuna crítica (Rodríguez Monegal 1967; Real de Azúa 1957; Roberto Ibáñez 1967; Castro Morales 2004) como a obra mais ambiciosa do autor, que foi planejada durante mais de 10 anos, e seria um texto de formato aberto e incompleto. Todo este planejamento foi divulgado por Rodó em diversas cartas remetidas por ele, a partir de Montevidéu, para diversos países do mundo.
Parte de sua correspondência ativa foi publicada em algumas edições2. Observamos que aquelas destinadas a interlocutores como o amigo Juan Francisco Piquet, revelam aspectos importantes do transcurso de escrita de Motivos de Proteo, cujo projeto foi divulgado genericamente pelo autor sob o título de Proteo. Como no trecho abaixo, de carta datada em 20 de abril de 1904:
Proteo, entre tanto, avanza. No sin algún sentimiento me separaré de Proteo cuando llegue el momento de darlo a la imprenta; porque ese libro me ha acompañado a sobrellevar el tedio y la saciedad de esta larga temporada de política, y porque es la obra que he escrito en plena posesión de mi reputación literaria; sin precipitaciones ni fines inmediatos; dejándola cuando la inspiración falla y volviéndola a tomar cuando ella vuelve a dispensarme sus favores; escribiéndola tanto para mí como para los demás, y poniendo en sus páginas el sello de mi personalidad definitivamente formada en lo intelectual, sin que esto sea decir que no haya de escribir otra cosa que se le adelante, si puedo; porque yo concibo la vida y la producción del escritor como una perpetua victoria sobre sí mismo (Rodó 1967, 1345).
Wilfredo Penco (1980) destacou que as cartas trocadas entre Rodó e Juan Francisco Piquet, um de seus mais próximos amigos, desde sua iniciação literária até pouco antes de sua morte, abarcam um vasto período, e refletem sobre suas preocupações vitais, traduzidas no plano da confidência epistolar. Embora tenham sido muitos os correspondentes de Rodó, poucos como Piquet lograram ser os destinatários de um epistolário tão completo e revelador.
Na carta mencionada acima, destinada a Juan Francisco Piquet, datada em 20 de abril de 1904, como em outras, Rodó revelou um painel de intenções. Comentou que a obra não teria menos de 500 páginas, oferecendo uma dimensão quantitativa importante de seu projeto. Esta correspondência documenta pontos importantes para a análise do trabalho que estava sendo projetado.
Como aponta Brigitte-Diaz (2016), retomada a cada dia, a carta pode atingir as dimensões de uma crônica, ela encadeia não só anedotas biográficas, mas também exames de si, reflexões filosóficas, envios de poemas e comentários literários, mestiçagem enunciativa que faz da carta um objeto textual muito particular, assemelhando-se ao mesmo tempo com o ensaio, o diário e a confissão.
O crítico uruguaio Roberto Ibáñez se debruçou intensamente sobre os papéis de José Enrique Rodó doados pela sua família nos anos 1940 à Comissão de Investigações Literárias criada por ele, que viria a ser, posteriormente, Instituto de Investigaciones y Archivos Literarios (INIAL). Foi com o arquivo de José Enrique Rodó que se estabeleceu um fundamento de seu método investigativo a partir da crítica genética, e a construção de um cânone da literatura nacional, baseada em manuscritos, impressos e objetos do autor (Bajter 2012).
Motivos de Proteo foi analisada com inúmeros detalhes por Ibáñez; em seu estudo “El ciclo Proteo” lemos as fases remontadas pelo crítico, que observou atentamente os rastros do intrincado labirinto que o livro teve na vida literária e pessoal rodoniana. Sua análise observa que Rodó possuía uma singular disciplina literária, e seus papéis privados, incluindo algumas de suas cartas, documentam o tema.
No “processo íntimo da obra” Ibáñez diferencia 3 períodos de produção. O primeiro entre 1900 a 1902, o segundo de 1902 a 1905, e o terceiro entre 1905 a 1908. Em um dos rascunhos mencionados, datado em 1898, Ibáñez encontrou “Cartas a...”, ou seja, sua escritura inicia-se antes mesmo de Ariel, publicado em 1900, como vão confirmar alguns rascunhos anteriores. Deste modo, o projeto inicial da obra teria como marca um livro epistolar.
Em consulta aos seus rascunhos das cartas enviadas, conservados no arquivo de José Enrique Rodó, encontra-se catalogado alguns cadernos escritos entre 1895 e 1898. Especificamente, no último caderno observa-se a alteração no modo de escrita das cartas, que antes disso tinham o formato tradicional: local, data, e destinatário descritos, no último caderno de 1898 é possível perceber que o escritor inseria algumas anotações com temas a serem tratados em suas correspondências, ou mesmo em suas obras futuras. O formato destas anotações é o mesmo utilizado nos rascunhos dos seus diversos materiais preparatórios da obra Motivos de Proteo: sequência não linear, frases soltas, direcionamento diverso da escrita, como no meio, início e final da página, páginas em branco, como se realmente fossem testes ou fragmentos de frases e de ideias.
Para Rodríguez Monegal (1967) este seria o livro mais ambicioso do escritor, e sua versão final nunca se concretizou, em seu plano original seriam cinco livros e uma introdução. O que está publicado em 1909, e foi nomeado Motivos de Proteo, tinha como base o livro V do projeto original. Esta parte se referia à evolução da personalidade. As condições de elaboração deram a este texto um caráter fragmentário, que ia e vinha, como as ondas, já que Proteo tinha a forma de mar, metaforizando a consciência do sujeito que está em busca de seus objetivos vitais. Além disso, Motivos de Proteo possuem textos que se revestem de grande significado autobiográfico de José Enrique Rodó, e neste caso, a obra conteria uma parte de sua autobiografia espiritual. Esta personalidade que se transforma impulsionada por uma vocação e por meio de vontades conscientes e subconscientes: “Lo que hoy queda del libro es el enorme valor de autobiografía espiritual, de comunicación íntima con el espíritu de Rodó” (Rodríguez Monegal 1967, 308)
O livro em questão tratava-se de um projeto literário até certo ponto utópico, pois tentou romper com a sequência linear, que constitui a arquitetura fundamental de todo livro, além disso Motivos de Proteo forma uma impressionante biblioteca, um vasto arquivo do saber, que funciona, dadas suas flutuações e incoerências, como uma memória em “perpétuo devir” (Ette 2000, 195), que oscila entre a pluralidade de seus motivos, a unidade do texto como artefato estético e agregamos aqui, uma proposta educativa que tentou se disseminar, mesmo antes de sua publicação.
O texto publicado compreende 158 capítulos. Rodó adverte no seu prólogo que se trata da seleção de um material mais volumoso, ademais pretendia incluir outras partes. Em seu arquivo, se conservam 5 pastas contendo cerca de 860 fólios, além de 11 cadernos preparatórios (Gráfico-poético, Cartelero, Inicial, Garibaldino, Ateneístico, Azulejo, Costarriqueño, Solariego, Disciplinario, Cómico-crítico e Hartmaniano).
Seu disciplinar e detalhado trajeto, foi descrito por meio da seguinte correspondência encaminhada ao amigo peruano Francisco García Calderón em agosto de 1904, onde se apresenta como um incansável recompilador, apesar da aparente dispersão:
Escribo mentalmente casi sin cesar, aun en la calle, aun en la mesa. Mis borradores suelen ser un montón de jirones de papel de toda forma, especie y tamaño. No tengo, para excitar la fantasía, un gato a quien pasar la mano, como se cuenta de autor célebre; pero aseguro a usted que casi no puedo escribir de seguido sin tener a mi alcance un diario, periódico o libro, que de vez en cuando tomo para palparlo, para estrujarlo […] y hasta para aspirar su aroma si es impreso y nuevo (Rodó 1967, 1438).
Alfonso Reyes, em 1917 batizou a obra como “El libro amorfo”, marcado pela não fixidez de um princípio e um fim, teria uma perspectiva indefinida, cujo espírito esgota sua versatilidade essencial. Belém de Castro Morales (2004) observou que Alfonso Reyes foi o primeiro a analisar a importância da forma da escritura de Rodó nesta obra. Segundo o crítico mexicano, a definição de “um livro amorfo” representava Motivos de Proteo, que teria um feito fundacional na tradição hispânica. Diante do livro clássico, sólido, a obra rodoniana seria um livro moderno, “líquido”, fluente, e por isso, psicológico.
O tema de Proteo figura da mobilidade interna, símbolo da multiplicidade das potências humanas, cuja tônica geral seria um humanismo, no sentido renascentista, antropocêntrico e moderno, apoiado em uma convicção, ou uma fé quase religiosa da grandeza, profundidade, diversidade do homem, como destacou Carlos Real de Azúa (1957), Rodó constrói seu sonho de grandeza, riqueza íntima, universalidade. Para o crítico uruguaio, Proteo não é um livro de pura doutrina, sim um livro de conselho, cujos temas essenciais seriam a complexidade e riqueza humana, o incessante fluir das coisas e personalidade, o dever do autoconhecimento, o chamado misterioso da vocação. A proposta inicial que Rodó, conforme o crítico, desenhou na obra em questão tinha como cenário um anfiteatro de experiências psicológicas indefinidas, que seriam suficientes para demonstrar seu interesse pela vida e pela eterna renovação humana.
O livro está fortemente vinculado ao tema da renovação, e há uma diversidade de temas que tangenciam a estética, a sociedade, a filosofia, a psicologia, etc. O tema do cultivo da inteligência é retomado em Motivos de Proteo, assim como aparece em Ariel, no entanto, naquele livro, a figura do mestre abre espaço para o autoconhecimento, através de uma “rítmica e lenta evolução do indivíduo” (Rodó 1967, 315).
Como o próprio Rodó mostrou, tratava-se de um livro vinculado à chamada literatura de ideias. Em carta enviada a Miguel de Unamuno, em 25 de fevereiro de 1901:
“Sí algo me separa fundamentalmente de la mayor parte de mis colegas literarios de América es mi afición, cada vez más intensa, a lo que llamaré literatura de ideas, ya que llamarla docente o trascendental no la definiría bien” (Rodó 1967, 1383).
Essa literatura de ideias possuía um pensamento compreensivo, que valoriza igualmente as ideias criadoras e os debates que condicionam e explicam o desenvolvimento humano, social e político dos povos. Tratava-se de uma literatura cuja base de ideias era ampla, e que tentava traduzir um pensamento (Venegas 1998).
Sobre a natureza orgânica de Motivos de Proteo, Rodó a associava às obras dos ensaístas ingleses, pela mescla de moral e prática, e filosofia de vida. De acordo com carta enviada a Juan Francisco Piquet, datada de 6 de março de 1904.
Cuando el tiempo y el humor no me faltan, sigo batiendo el yunque de Proteo, libro vario y múltiple como su propio nombre; libro que, bajo ciertos aspectos, recuerda (o más bien recordará) las obras de los “ensayistas” ingleses, por la mezcla de moral práctica y filosofía de la vida con el ameno divagar, las expansiones de la imaginación y las galas del estilo; pero todo ello animado y entendido por un soplo “meridional”, ático, o italiano del Renacimiento; y todo unificado, además, por un pensamiento fundamental que dará unidad orgánica a la obra, la cual, tal como yo la concibo y procuro ejecutarla, será de un plan y de una índole enteramente nuevos en la literatura de habla castellana, pues participará de la naturaleza de varios géneros literarios distintos, (v. g. la didáctica, los cuentos, la descripción, la exposición moral, y psicológica, el lirismo), sin ser precisamente nada de eso y siéndolo todo a la vez (Rodó 1967, 1343-4).
A possibilidade de confluir ensaios e epístolas são diversas. Dentre elas a mescla da dimensão privada e pessoal com a intelectual ou conceitual. Além do estilo, cujo tom é dialógico, há a liberdade no momento de organizar o conteúdo semântico em categorias superestruturais de argumentação, que se adaptam ao discurso livre e pessoal do autor, dando espaço a uma exposição fragmentária e aparentemente desordenada (Arenas Cruz 1997).
Em outra carta escrita a Juan Francisco Piquet, em setembro de 1904, Rodó revela que o tempo livre que possui o dedicava a Proteo, no qual colocou o melhor de sua alma, e com o qual sairia de seu país embaixo do braço, a fim de começar uma nova vida, iniciando a marcha do “Judio Errante”, pelos caminhos do mundo. E assim se veria a partir daquele momento: “uma espécie de personificação do movimento contínuo e da alma volátil”. Por fim, conclui:
Seré como una bola de billar en una mesa de mármol. – Seré la salamandra escurridiza de las leyendas. – Pasaré como una sombra por todas partes, y no tejeré mi capullo, ni labraré mi choza, en ninguna. – Dejaré mi personalidad en mis correspondencias, y procuraré que ellas me sobrevivan, y den razón de mí cuando sea llegado el momento del último viaje, y la bola viajera de mi vida quede detenida en un “hoyo” del camino (Rodó 1967, 1349).
A aposta rodoniana, portanto, com sua obra em movimento, descrita minuciosamente no diálogo com seu entorno intelectual estabelece a interação como condição fundante, e ao mesmo tempo, a correspondência como testemunho e marca de sua personalidade e memória da escrita. Segundo Isabel León de Olivares ao definir a noção de rede intelectual, nos ajuda a pensar sobre a estratégia epistolar de Rodó. Segundo a autora, já não é possível estudar um intelectual como o sujeito criativo que escreve ideias em solidão, sim, antes de mais nada, como um indivíduo inscrito em circuitos de relações e conexões sociais que outorgam uma “dimensão coletiva e compartilhada” (León de Olivares 2017, 178) de seu discurso e de sua função. Junto ao conceito de sociabilidade intelectual ou de constelação, o de rede destaca esta dimensão coletiva que a acompanhou desde seu surgimento no final do século xix a figura do intelectual tanto em seu espaço público como no interior de seu campo de atuação. No caso das cartas, essa interação é a condição essencial para o diálogo e para a escrita coletiva.
A conduta de Rodó, em nossa visão, aparece como um processo de sistematização de redes intelectuais que se entrelaçaram como resposta ao processo de modernização literária daquele momento. De acordo com Ángel Rama (1985), a sistematização de redes que aos poucos vão se organizando em resposta à modernidade, a busca de formas de apreensão de novos modos de vida, principalmente das elites urbanas, receptoras privilegiadas das mudanças estéticas e ideológicas dos centros europeus, vão moldando novas perspectivas ao campo cultural. Para o autor, o isocronismo cultural entre Europa e América Hispânica vivenciado no final do século xix, teve consequências imediatas sobre os escritores, que se viam incentivados a buscar, de uma vez só, uma multiplicidade de caminhos, estilos, temas e um amplo setor de diferenças que se assenta em uma tentativa de consolidação de uma literatura orgânica: “[...] a tarefa histórica que estava destinada a intensificar a vinculação com o passado nacional para gerar a ideia de nação em uma massa recém-descolonizada (Rama 1985, 45).
Susana Zanetti, ao abordar o tema das formas de religação intelectual no continente latino-americano, apontou as múltiplas formas de constituição das redes intelectuais tecidas entre 1880-1916, momento fundacional da literatura hispano-americana, em que se gestou um discurso autônomo e se forma um mercado moderno, tal procedimento encontrou “respostas similares nos distintos centros” (Zanetti 1994, 492-3). Autores como José Enrique Rodó se converteram em figuras basilares de constelações de escritores e intelectuais, são produtores de um sólido corpo de textos, cuja circulação e intercâmbio possibilitava o encontro e a intercomunicação, diminuía as distâncias geográficas e permitia uma percepção comum, apesar da diversidade das experiências nacionais.
As redes consolidadas naquele momento demarcavam um discurso grupal e uma sensibilidade de época, e o que os diferenciava da geração anterior é a afirmação de uma experiência nova: a afirmação do escritor e do intelectual. Essa figura é capaz de produzir seus próprios cenários, forjados por grupos e rede de pares, como sociedade de ideias, movimentos literários, revistas e correspondência (Myers 2008).
As formas e práticas de sociabilidade letrada se estabeleceram por meio de múltiplos veículos, como cartas, viagens, encontros e debates sobre textos e leituras. Liliana Weinberg (2021) acentua que o esforço de construção de significantes comuns para a inteligência hispano-americana desse período uniu materiais muito heterogêneos, e estudar estas manifestações de circulação supra e transnacional nos permite propor novos mapas da nossa vida intelectual, confluindo as distintas esferas de reflexão e comparando autores a fim de compreender como as formas de circulação superaram as fronteiras nacionais.
A análise da inserção transnacional de José Enrique Rodó nos serve como subsídio para melhor situarmos historicamente sua obra, gestada em um momento em que a intelectualidade hispano-americana buscava um estreitamento das relações e uma espécie de cooperação internacional, capaz de circular e constituir conexões por meio de revistas, correspondências, textos jornalísticos, etc.
Para a compreensão da origem da obra em questão, a partir da recuperação da dimensão analítica das correspondências, acreditamos que seja válido pensá-la em diálogo com o trabalho prévio desenvolvido por Rodó em sua troca epistolar. Por meio de sua rede infinita de diálogos que travou com amplitude mundial, o escritor criou vasos comunicantes entre as cartas e Motivos de Proteo.
Este seria, conforme Liliana Weinberg (2017), o sentido fundamental de diálogo e da relação com um texto ensaístico: a presença ativa do leitor, quem não só reconhece passivamente o legado de um texto já finalizado, sim que é capaz de reabrir, responder, reinterpretar o sentido, fazendo uso de sua liberdade de escolha e de sua capacidade de adentar no mundo do texto.
Quando sua proposta inicial da obra se baseou na ideia de ter a forma de cartas, Rodó vislumbrava compartilhar sua subjetividade, convidando seu leitor também a integrar seu processo de escrita. Nesse sentido, a relação entre os ensaios e as epístolas, por meio das quais procurava indagar sobre os outros, suas vivências e experiências, se tornaram ingredientes e testemunhos para consolidação da narrativa subjetiva:
Varios son, por tanto, los puntos de confluencia entre ambas clases de textos: la fusión de la dimensión privada y personal con la intelectual o conceptual, el empleo de una mezcla de estilo llano y elevado, el tono conversacional y la extremada libertad a la hora de organizar el contenido semántico en las categorías superestructurales de la argumentación que se adaptan al discurrir libre y personal de autor y dan lugar a una exposición fragmentada y aparentemente desordenada (Arenas Cruz 1997, 59).
A dimensão coletiva e compartilhada de Motivos de Proteo denunciam a difusão do pensamento rodoniano em vários pontos do continente Latino Americano, e em alguns pontos da Europa, desterritorializando a reflexão sobre a personalidade, o indivíduo, a consciência e a vocação, contudo, a partir dos temas americanos, tratados de outro modo, sugerindo uma nova forma de constituição da personalidade, numa chave intelectual que pode-se considerar menos autorreferenciada, possibilitando traduzir um espaço discursivo aberto, não apagando a singularidade local, mas tentando expandir para a condição humana também marcada pela universalidade.
Visto dessa forma, um texto que Rodó pensou durante anos de sua vida, como demonstrou Ibáñez, através da análise de seu rico acervo arquivístico, foi paulatinamente compartilhado com seus correspondentes. Portanto, se estas cartas foram em grande medida, o ponto de partida para a construção de seus argumentos, como seus destinatários encaravam e esperavam seu Proteo?
A primeira vez que a obra foi mencionada em uma correspondência enviada a Rodó foi em 1901. Trata-se de uma carta escrita pelo livreiro espanhol (radicado em Montevidéu) José María Serrano, conhecido por ser o grande editor do autor de Ariel. Foi ele quem publicou a primeira edição de Motivos de Proteo, e de acordo com Carlos Zubillaga (1999), também Serrano assessorou o autor no relacionamento com empresas estrangeiras do ramo. Sua atividade como editor se iniciou na Librería de la Universidad, quando editou a obra em 1909, sob o selo José María Serrano y Cia; editores y Librería de la Universidad (Sellés 2021).
Carlos Zubillaga (1999) ainda destacou que Serrano não estabeleceu oficinas gráficas próprias, mas recorreu a inúmeras na cena montevideana do início do século, e em reiteradas vezes contratou a impressão dos livros que editava em estabelecimentos europeus (como o caso da imprensa barcelonesa Henrich y Compañía), sendo que foi em uma dessas que imprimiu uma das edições de Ariel.
Em carta remetida de Paris datada em 29 de janeiro de 1901, escreveu:
Mi estimado amigo Rodó: confirmo mis anteriores que supongo en su poder. He sabido que se están dando los últimos toques para la impresión de la edición de ‘Motivos de Proteo’, a la que no me ha tocado el hacerse de prestar mi pobre contingente. […]. Lamento que se haya perdido tanto tiempo, pues ya debía de estar a la venta, y bien distribuida por todas partes, pues ya tendría yo colocado ejemplares en Madrid, Habana, México y Colombia.3
Esta carta pode nos servir como respaldo da hipótese de Roberto Ibáñez (1967), sobre os diferentes períodos de composição de Motivos de Proteo, sendo o primeiro entre 1900 e 1902. A carta de Serrano aponta para seu processo de impressão, talvez naquele momento seu futuro editor acreditasse que a obra já estivesse pronta, ademais, o conteúdo insere o debate sobre o tema da edição de livros no país. No final da missiva diz que os livros são a cultura do país, mas os custos de impressão, importação e compra eram demasiadamente caros. Esta correspondência nos permite revisitar os primeiros diálogos sobre o processo de edição e publicação do livro de Rodó, num contexto marcado pela concepção do livro como fonte de acesso à educação.
A advertência de Serrano, na posição de um realizador da cultura escrita aponta para a necessidade de se manter o exercício cultural e literário daquele momento, sob a tentativa de renovar as linhas de produção do livro e fazer a obra se comunicar com o frágil mercado editorial hispano-americano. Recuperar o diálogo destes atores, no caso escritor e editor, nos possibilita observar parte do transcurso envolvendo os primeiros debates editoriais da obra.
Após a carta de Serrano, mencionamos a primeira carta de Rodó enviada ao poeta andaluz Juan Ramón Jiménez4, datada em 10 de julho de 1904, nela anunciava que o amigo compatriota Juan Francisco Piquet, que naquele momento vivia em Barcelona, iria visita-lo no sanatório onde estava internado. Na missiva Rodó também pede desculpas pelo longo silêncio, que não se devia ao esquecimento, nem laconismo ou falta de vontade, sim:
En la agitación política que aquí nos arrebata a todos, dispongo de poco tiempo para las cosas del espíritu. Déme Ud. nuevas de sus proyectos literarios. Se que publicó Ud. un libro pero no he tenido la dicha de verlo. En cuanto a mí, publicare quizá dentro de pocos meses, mi nueva obra Proteo. Será extensa y cifro en ella algunas esperanzas (Rodó citado por Fogelquist 1960, 332).
Interessante observar, por meio das cartas localizadas no interregno de 1900 e 1908 que um dos grandes temas presentes no contexto epistolar rodoniano gira em torno de Motivos de Proteo. Nesse sentido, “A escrita circula entre a obra e a correspondência num movimento de vaivém. Nos dois casos, a carta representa um passo dessa intensa vitalidade, ‘dínamo’ da criação” (Haroche-Bouzinac 2016, 173).
Em outra carta, sem data, mas segundo Fogelquist, de provavelmente 1908, Juan Ramón Jiménez escreveu novamente a Rodó para enviar seu texto Elegías puras, e pergunta novamente ao correspondente uruguaio sobre seu Proteo.
Localizamos uma outra carta enviada a Rodó, enfocando o tema, remetida por outro interlocutor de Rodó, datada em 18 de agosto de 1904, assinada por Francisco García Calderón. Rodríguez Monegal (1953) aponta que tanto Gabriela Mistral quanto Luiz Alberto Sanchez reforçaram a condição de García Calderón como discípulo rodoniano, mesmo sem nunca terem se conhecido pessoalmente.
As trocas de correspondências entre ambos os autores se iniciaram, aparentemente, em 1903, quando García Calderón pede a Rodó que ele faça o prólogo para seu primeiro livro: De Litteris: crítica. Rodó atendeu ao pedido. No livro mencionado há um ensaio sobre José Enrique Rodó, intitulado “Una nueva manera de la crítica”.
Na carta enviada por Rodó a Calderón em 2 de agosto de 1904, já mencionada parcialmente acima, apontou a preocupação em relação à Guerra Civil5 pela qual passava seu país no período. Além disso, revelou seu ingresso no mundo político (este foi o primeiro período de Rodó como Deputado, entre 1902-1905) porque julgava necessária convivência dos homens de pensamento, ou de afecções intelectuais, no debate da arena política, para tentar oferecer uma contribuição. No final da carta comentou sobre Motivos de Proteo.
Yo, quizá antes de fin de año, podré dar mí Proteo, que haré imprimir en Europa. Mi modo de producir, sobre que usted me pregunta, es caprichoso y desordenado en los comienzos de la obra. Empiezo por escribir fragmentos dispersos de ella, en el orden en que se me ocurren, saltando quizá de lo que será el fin j a lo que será el principio, y de esto a lo que irá en el medio; luego todo lo relaciono y disciplino (Rodó 1967, 1438).
Nesta correspondência, assim como em outras remetidas por Rodó, lemos o desejo de imprimir a obra na Europa, no entanto, as condições econômicas para que isso fosse concretizado não foram possíveis. Sobre este desejo rodoniano, Ibáñez ressaltou que o autor não pretendia expatriar sua obra, já que todo o texto é um argumento sobre as obrigações superadas pelo homem, em qualquer parte do mundo.
A carta enviada por García Calderón, de 18 de agosto de 1904 refletia sobre alguns pontos levantados por Rodó na correspondência anterior, e dentre os assuntos, o autor peruano dizia que os “largos esforços” do então deputado não seriam em vão. Na carta (cuja leitura está bastante comprometida pela qualidade da letra) é possível ler que García Calderón deseja paz ao amigo, neste mundo vão vivenciado pelas agitações políticas, e ao mesmo tempo deseja que tal situação não comprometa a escrita do “prometido Proteo”.6
A imbricação entre vida e obra de Rodó, no caso de Motivos de Proteo está evidente. Como assinalou Real de Azúa (1957, XVII): “Con esta larga rumia, con este casi un lustro de lenta maturación del libro, Rodó entendía jugar una carta decisiva en su destino intelectual”. Esta escrita vagarosa, mesclada às suas redes de comunicação via cartas, pode ser observada em um dos cadernos preparatórios para o livro, onde se encontra misturado um rascunho de uma carta no verso de um original, destinada a García Calderón, datada em 1 de outubro de 1904, na qual comenta:
Mi estimado amigo: Muy bien venido su primogénito literario. Las páginas nuevas para mí, me han agradado mucho, especialmente el estudio sobre Brunetiére, y aún más el relativo a Spencer. Es a cumbres como ésta adonde hay que levantar la mirada.7
Em outra carta enviada em 3 de junho de 1906, García Calderón insiste que espera com “infinitas ânsias Proteo”: “Nada sé de la reciente labor literaria de Ud. Aquí con lo que lo aprecio puede Ud. suponer cuanto gozaré de su alta amistad. En todas partes de América Española donde he estado en recientes (¿) viajes he oído hablar de Ud.”8.
E na qual provavelmente seria a resposta à está segunda carta, Rodó respondeu em 28 de junho de 1906 dizendo:
“No abandono mi propósito de ir en breve a Europa. Allí (probablemente en París o Barcelona) publicaré Proteo, obra extensa en que cifro muchas esperanzas” (Rodó 1967, 1439).
José Santos Chocano, poeta peruano, foi outro autor que enviou carta a Rodó naquele período de maturação da obra. Em uma delas, enviada em 10 de dezembro de 1906, remetida de Madrid, ele escreveu: “Si quiere publicar su Proteo por acá, cuente conmigo en lo que juzgue útil”.9
Em nova carta enviada em 10 de dezembro do mesmo ano, Santos Chocano escreveu: “¿Por que no hace el anunciado viaje a España? Véngase a publicar su “Proteo”.10
A carta de Santos Chocano coincide com o projeto de Motivos de Proteo, mas além dele, com outro muito ansiado por Rodó: uma viagem à Europa. Terminado seu primeiro período como Deputado, em 1905, Rodó, segundo Rodríguez Monegal (1967) enfrentou uma grande crise espiritual. Por meio do estudo de seus papeis íntimos observou-se que a crise não seria apenas política, sendo o outro motivo seu malogrado projeto de viagem à Europa. Em rascunho de uma carta escrita ao amigo confidente Juan Francisco Piquet, escreveu em 1904: “Glória in excelsis Deo! ¡He terminado mi labor! Con esta fecha envío a la casa Fernando Fe, en Madrid los originales de Proteo” (Rodó 1967, 36).
Na carta disse que iria a Madrid, depois de Salamanca (onde visitaria Miguel de Unamuno), Olviedo (onde encontraria com Rafael Altamira e Adolfo Posada), e Sevilla (onde veria Salvador Ruda). Terminando seu giro em Barcelona (para conhecer as terras de seus avós), posteriormente iria para Itália, durante dois meses, Paris (4 meses), e Londres (1 mês), e até março de 1906, regressaria a seu país, para ver como estavam as coisas, mas ao final daquele ano, iria definitivamente para Europa. De acordo com Elena Romiti (2016), Rodó desenvolveu múltiplas estratégias para apresentar-se e ser reconhecido no mundo eurocêntrico e ocidental, e este projeto de visitar os autores europeus que havia trocado correspondência, poderia ser o coroamento da disseminação de sua produção em parte daquele continente.
No mesmo sentido, argumenta Beatriz Colombi (2008), que afirma que entre 1900 e a Primeira Guerra um contingente de escritores hispano-americanos se encontrou em Paris. Este teria sido o primeiro ingresso massivo da inteligência hispana em contexto internacional. Os motivos da diáspora foram de diversas ordens, alguns chegavam por vontade própria e outros arrastados pela expatriação, a grande maioria estava em busca de um espaço que continha como promessa o trunfo do reconhecimento. A mudança de cenário era tida como o caminho mais importante à profissionalização, e o encontro de condições favoráveis para seus projetos. O grupo inicial se instalou, conforme a autora, entre duas cidades, Paris e Madri, sendo esta a porta de ingresso ao continente Europeu, e aquela a meta de chegada.
“Podría pensarse que la utopía perseguida era la de establecer una ciudad letrada extraterritorial, lejos de las acometidas de la ciudad real y de sus transacciones” (Colombi 2008, 545).
Dentre os motivos para que a viagem de Rodó não ocorresse, conforme Ibáñez, foi econômica, (devido a apostas falidas em operações da bolsa, intermediadas por estafadores), e crises depressivas profundas. Em seu diário íntimo escreveu o seguinte testemunho:
Hoy, tres de mayo de mil novecientos seis a la una media de la tarde, en la Biblioteca del Ateneo, donde estudio y trabajo; hoy día y hora aciagos, con sensación de angustia que no me cabe en el pecho, después de salir a tomar aire, a moverme para desahogar la nerviosidad que me tiene trémulo, –hoy acumulo en uno todos mis recuerdos de este año terrible en que no ha habido para mí un día de paz, de tranquilidad, de despreocupación; en que no he tenido un respiro en el temor constante, en la convulsión agónica de una perpetua amenaza suspendida sobre la cabeza, en que he devorado más lágrimas quizá que en los otros años de mi vida (Rodó citado por Ibáñez 1967, 16).
De acordo com Rodríguez Monegal (1955), é possível supor que as angústias econômicas de Rodó se somavam a outros motivos de aflição e de dor, além da constante sensação de sufocamento de viver em seu país naquele contexto político conturbado. Nada, ou quase nada, se conhece de sua vida íntima, a não ser o que podem revelar algumas de suas correspondências e algumas manifestações em seu diário íntimo.
A reação rodoniana, conforme Ibáñez, ocorreu a partir da segunda metade de 1906, momento em que publicou Liberalismo y Jacobinismo. Nesse livro, Rodó expressa o cuidado com a situação da moral laica, que proibia a demonstração da religião por meio de seus símbolos e imagens. É nessa obra que se pode perceber a defesa do autor uruguaio a símbolos da Igreja católica. Foi uma reação à medida para retirada dos crucifixos dos estabelecimentos que estavam sob a administração da Comissão Nacional de Caridade e Beneficência em 1906.
A medida foi aprovada como resultado natural da expansão dos ideais liberais. Rodó, que se considerava um liberal, demonstrou-se contra. Em carta datada de 1906 ao jornal La Razón, sustentou que a eliminação dos símbolos da Igreja não era um ato próprio do regime liberal, mas sim de um regime jacobino. A retirada de Cristo das paredes seria uma separação entre o passado e o futuro. Para Rodó, Jesus Cristo representa a nossa civilização, e no mundo significa o fundamento da caridade, e isso se opunha aos argumentos históricos. Jesus é visto como um grande reformador moral, e não como um líder religioso, e essa era a grande justificativa para sua permanência nos estabelecimentos. Além disso, o autor dizia que não tinha dificuldades de se assumir como herdeiro moral do cristianismo.
Aparentemente, foi também a partir de 1907, que Rodó voltou a difundir a publicação de Motivos de Proteo, além disso, começou a divulgar a partir deste momento, trechos do livro em periódicos.
A carta remetida em 21 de maio, da cidade de Maracaibo, Venezuela, assinada por Luis Schmidtkey, provavelmente um leitor anônimo, que diz adorar as ideias de Rodó, e pede que o autor lhe envie um exemplar de sua grande obra, Proteo.
Respetable y distinguido Sr. Me tomo el atrevimiento de molestar a Ud. Para exigirle un ejemplar de su gran obra “Proteo”, es esta la única manera que tengo de poderlo obtener. Aun cuando hubiera podido comprarlo, es el caso que hasta la fecha no he podido averiguar donde se haya de venta y desde que vi en “Apolo” anunciada su última producción tengo un vivo anhelo de poseerla.11
A Revista Apolo. Revista de Arte y Sociología (1906-1915), sediada em Montevidéu e dirigida pelo poeta Manuel Pérez y Curis, havia anunciado na sessão dedicada aos livros em preparação, que se publicaria na cidade, no ano corrente Proteo (prosa), de José Enrique Rodó, em seu número 4, de junho/junho de 1906.
Em 27 de agosto de 1907, o jornalista Perfecto B. Lopez Campaña, que compunha o corpo de redatores do periódico, escreveu para Rodó dizendo que estava aguardando a sua prometida contribuição de texto para ser publicado na Revista Apolo.12
Em carta de Perez y Curis, datada em 23 de outubro, o então diretor da Revista Apolo diz que entregou o material enviado por Rodó para a preparação da próxima edição, além disso, recorda a promessa do autor: “He entregado ya a las cajas material para el próximo numero de ‘Apolo’, y escribo a recordar a Ud. la promesa que me hizo de obsequiarme con su capítulo de ‘Proteo’”.13
Provavelmente a contribuição mencionada por Perez y Curis foi o texto “De mi cartera”, publicado na edição de novembro de 1907. A esperada contribuição a partir de um trecho de Motivos de Proteo não viria a ser publicada na Revista Apolo, sim no Almanaque Ilustrado del Uruguay, em 1908.
A trajetória do livro em movimento, de acordo com as experiências vividas por Rodó, a partir das cartas recebidas pelo autor, nos oferece uma perspectiva mais ampliada para pensar o livro, desde sua experiência leitora, editorial e a condição do escritor.
A vontade de discutir sobre a ideia do livro nas cartas, sustenta a perspectiva do livro aberto e fragmentado, que só pode ser complementado a partir do diálogo com o leitor. A publicação prévia em periódicos garantia ao autor a divulgação dos escritos a serem publicados. Nesta multifacética correspondência trocada entre Rodó e autores, redatores, amigos, críticos, observamos uma espécie de guia para adentrarmos ao intricado labirinto de Motivos de Proteo.
Em carta datada em 1 de março de 1908, enviada pelo crítico colombiano Baldomero Sanín Cano, este comenta:
Ha llegado a mis manos su gentilísima carta de Enero y no necesito decirle el placer que me proporciona su lectura. Sus correspondencias para La Nación habían venido a ser una entrevista que esperaba como la llegada de una cita con un camarada de quien aguardamos la palabra buena para reconciliarnos con la vida. Al ver que usted abandonaba las columnas de aquel diario, me imaginé que em incidente del Constitución hubiera tenido a ver con ello y esperaba que terminada la diferencia, volvería usted a hablarnos de cosas de arte a los lectores del Continente.14
José Enrique Rodó atuou como colaborador literário durante o ano de 1907 no jornal La Nación, de Buenos Aires, função a qual deixou em 1908, ao ser eleito para seu segundo mandato parlamentar. Informação que foi repassada a Sanín Cano, conforme rascunho de carta escrita em 1907, transcrito por Rodríguez Monegal (1967, 46).
Escribole precisamente en momentos en que mis amigos me han hecho de nuevo diputado…y como primer sacrificio en los altares de la política he colgado de la espetera mi pluma de corresponsal literario de la Nación, hasta que el ánimo se me alivie del peso de tantas y tan poco áticas preocupaciones como trae consigo el respirar el aire de los clubs y las asambleas populares.
Sanín Cano na carta mencionada acima, apontou sobre a atuação política do intelectual, que não julga elegante abster-se de determinadas responsabilidades, e por fim, comenta sobre Motivos de Proteo:
Recibí los fragmentos de “Proteo” que ha tenido usted la amabilidad de enviarme. He gustado el calor convincente de su expresión y haré reproducir aquí algunas de sus partes o toda la pieza si los diarios tienen espacio que dedicar al exclusivo deleite intelectual de sus abonados. El análisis me parece sostenido y llevado con precisión hasta los detalles más finos de la psicología introspectiva. Lo deja usted, como crece que debía dejarle, todo lo que tiene de inconsistencia a la obra verdaderamente genial.15
Observamos que a análise de Sanín Cano sobre os fragmentos de Proteo enviados (talvez o texto solto que publicou no periódico, ou mesmo manuscritos) foi bastante positiva, e nela vemos a intenção de uma pré resenha do crítico.
Em nova carta enviada pelo autor colombiano, datada de 24 de outubro de 1908 ele se desculpa por alguns meses de silêncio. Além disso, escreveu: “Esperamos su libro anunciado los que acá le tenemos amor al ejercicio de combinar y disociar las ideas”.16
O anúncio frequente de que a obra seria lançada, o envio e a publicação parcial de fragmentos de Proteo, que lemos a partir de seus interlocutores, nos permite entrever as pretensões e ambições de Rodó, pois por meio delas conseguimos acessar os bastidores da sociabilidade de um grupo de intelectuais que giravam em torno das produções rodonianas daquele período.
Outra carta nos oferece a dimensão dos anúncios de divulgação da obra Motivos de Proteo, a do crítico dominicano Pedro Henríquez Ureña, que endereçou a Rodó uma carta em 5 de agosto de 1908. Nela dizia que enviava junto à carta 10 exemplares da edição mexicana de Ariel.
Grande habrá de ser su sorpresa y aun me temo que habremos de provocar su disgusto, por haber hecho tal uso de su obra, sin su autorización previa: pero también confío en que encuentre V. justa nuestra acción: ¿no es Ariel, acaso, propiedad de toda la América?17
O projeto de articular a impressão de uma edição mexicana de Ariel havia sido declarado por Pedro Henríquez Ureña, e se realizou em maio de 1908, quando os Talleres Lozano de Monterrey publicaram 500 exemplares do livro. Em resposta a esta carta, Rodó escreveu em 28 de novembro de 1908 agradecendo o envio dos exemplares, e disse que tinha ciência de uma outra edição mexicana realizada na Cidade do México pela Escuela Nacional Preparatoria, cujo diretor era Porfírio Parra.
Sobre o comentário de Ureña sobre Motivos de Proteo, Rodó respondeu:
“En cuanto a Proteo, está ya imprimiéndose y visitará a Usted muy pronto” (Rodó 1967, 1361).
Conforme Rafaelle Cesana (2017), as cartas que Rodó e Pedro Henríquez Ureña trocaram entre fevereiro de 1905 e maio de 1910, possuem notável valor para a história das letras no continente Latino Americano; o crítico dominicano reconhece a importância de Ariel para os hispano-americanos, e estimou sempre a Rodó como um mestre.
A su maestro, que fue, por la sinceridad del trato, también un estimado amigo, Henríquez Ureña le contó el proceder de sus estudios, las creaciones con amabilidad y generosidad, revelando siempre la empatía de las ideas. De esta forma, la red intelectual que dibujaron envolvió figuras fundamentales de las letras hispánicas de esa época (Cesana 2017, 244).
Outra correspondência deste período anterior à publicação de Motivos de Proteo, que chama atenção é a do crítico espanhol Rafael Altamira, que em 20 de julho de 1908 escreveu uma carta a Rodó, a partir de Oviedo, saudou o autor pela “aparição da edição espanhola de Ariel”, publicada em 1908, pelo editor Francisco Sempere (Valencia) e prefaciado por Leopoldo Alas. Segundo Altamira, este fato era muito acertado, pois servirá para recordar a influência que este livro exerceu “positivamente na gente jovem”.18
Localizamos o nome Rafael Altamira citado em um dos cadernos preparatórios (Gráfico Poético) da obra Motivos de Proteo. Nesta menção o nome do espanhol está sublinhado, e logo abaixo o de Leopoldo Alas, abreviado e entre aspas “L. Alas”. Em seguida, faz uma reflexão sobre a psicologia infantil, vocações e questiona sobre o que é revelado pelo discípulo, se seria seu ponto de vista pessoal, ou sua marca. (21484v).19 É possível que estas sejam reflexões a partir da obra de Psicología del pueblo español, de 1902, onde o autor espanhol realiza um debate psicológico radical acerca da questão nacional, a partir do regeneracionismo espanhol.
Eva Maria Valejo Juan (2002) comenta que Altamira dedicou uma parte importante de seu trabalho historiográfico na reivindicação da ação da Espanha na América. Segundo a autora, o espanhol admite a existência de erros no passado colonial, mas converteu sua visão de história em instrumento ideal para realizar uma defesa da relação entre as partes cindidas, e na recuperação da confiança no espírito nacional. Em sua ação americanista, inseriu uma política pedagógica, para reestabelecer os laços intelectuais entre as nações. Da relação entre Rodó e Altamira, pode-se estabelecer que ambos os autores defendiam um americanismo pautado no diálogo cultural dos países de língua espanhola, a regeneração dos valores espirituais e idealistas e a reivindicação da cultura. Esta interlocução epistolar permite a apreensão de um projeto artístico e pedagógico de larga abrangência para seus países.
A relação epistolar entre Altamira e Rodó (que não confere uma relação de passividade, mestre/aluno, escritor periférico/escritor do centro) se deu desde a criação da Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales (1895-1897), cujo autor uruguaio era um de seus redatores. Altamira teceu inúmeros elogios mediante cartas e resenhas publicadas na Revista Crítica, dirigida pelo espanhol, que sublinha o valor educativo e livre de Rodó, como um “discurso” de pedagogia e fundamental para orientar não só os americanos, como os espanhóis, submetidos naquela insuportável decadência.
A carta de Altamira, perguntando por Motivos de Proteo, reforça as expectativas causadas por Rodó em suas missivas onde noticiava o livro.
Por fim, mencionamos a carta de Norberto Estrada, historiador uruguaio e cônsul de seu país na Espanha naquele período. Em carta escrita em 18 de outubro de 1908, ele escreveu a Rodó a partir de Valencia:
Mi estimado amigo: por paquete certificadora remito a Ud. los cuatro primeros pliegos ya impresos de su libro “Ariel” y cuando reciba Ud. mi carta la obra ya circulará en España e irá en viaje para Montevideo. Debido a mis empeños y a la amistad con el señor Sempere […]. En caso que usted tuviera interés en publicar por esta misma casa, Proteo, os puede enviarme los originales cuando le convenga, pues me dice el señor Sempere, que cuando no se trata de reproducciones los libros se editan en seguida.20
Norberto Estrada se referia à mesma edição de Ariel comentada por Rafael Altamira. O que se pode concluir é que Rodó não enviou os originais da nova obra para ser impressa na Espanha, mesmo que este tivesse sido seu desejo inicial.
Ler José Enrique Rodó como destinatário é uma forma de observar determinados movimentos do artista na construção de uma face testemunhal que queria mostrar, pois como explica Reinaldo Marques (2023), no diálogo epistolar entre escritores, as cartas costumam funcionar como laboratório revelador de mecanismos de composição textual e espaços de experimentação vocabular, linguística, ajudam a explicar circunstâncias, ambientes e motivações dos textos. Também podem revestir-se de uma função pedagógica, em que um escritor experiente orienta um mais jovem, por meio de valiosos comentários críticos; ao esclarecer passagens de suas vidas prestam-se também ao exercício de ficcionalização. Disso decorre a enorme aplicação da correspondência dos escritores pelas críticas biográficas, genéticas e textual. Na hipótese do autor, além de tudo isso as cartas também funcionam como instância de constituição de seus arquivos, já que servem com frequência como veículo para enviar textos, livros, recortes de jornais e periódicos, documentos, etc.
As reflexões baseadas na correspondência passiva do autor podem auxiliar na ampliação do horizonte das expectativas intelectuais em torno a um homem das letras que viveu sob diferentes contingências sociais e políticas em seu país, e que teve um périplo intelectual que permitiu conhecer e ser reconhecido por outros intelectuais de sua época. Dessa forma, a obra do uruguaio se situa em um lugar de enunciação singular na arena intelectual finissecular, que se utilizou de diversas estratégias para disseminar suas ideias, tornando-se o mestre de diversas gerações.
Ao localizarmos a correspondência passiva de Rodó em torno dos espectadores de Motivos de Proteo, ansiosos por acessar a grande obra do mestre, que compartilhava fragmentos e seu estado de criação, temos uma ideia do inestimável valor da matéria destas cartas, que em seu arquivo formam um oceano de temas, diálogos e projetos inesgotáveis. Aqui não desejamos mais do que levantar pontos sobre a importância desses diálogos epistolares e resgatar fragmentos de um passado da literatura latino-americana que apostou na possibilidade de conectar fraternalmente e intelectualmente os interessados na história do continente, a partir da estrutura dialógica, não isolacionista.
O gênero projetado por Rodó na obra era um livro variado e múltiplo. Neste sentido, os vasos comunicantes estabelecidos por Rodó, a partir de Motivos de Proteo, foram lidos nas suas correspondências emitidas e recebidas durante o período criativo do texto. A gênese da estratégia epistolar de Rodó revela a importância deste estilo para a intelectuais hispano-americanos daquele período.
Rodó preparou seu leitor, compartilhou fragmentos e trechos com alguns deles, informou sobre suas condições e método de escrita, demonstrou o quanto o livro era produto de um período íntimo turbulento, e de uma angustia patriótica profunda, informou sobre seus planos editoriais, e mostrou como o fazer da obra estava ancorado em um determinado tempo histórico marcado por condições de produção bastante penosas para ele. Portanto, o entrecruzamento de cartas remetidas e recebidas nos permite construir um espaço de encontro que desagua na forma de Motivos de Proteo, que realmente, conforme o desejo de seu autor, jamais seria publicada por integralmente.
A “gesta de la forma” foi um artigo de Rodó publicado originalmente em 1900, posteriormente incorporado ao livro El Mirador de Próspero, em 1913. No texto, discute como o estilo do artista se transforma em luta intensa com o resultado de sua arte. As palavras que sofrem constante modificação, a partir da pluma do artista, adquirem vida, alma e fisionomia, segundo Rodó. No entanto, este processo é resultado de uma penosa luta travada por quem escreve. A correspondência aqui mencionada rememora os momentos de criação de seu livro mais desafiador, revelando parte das experiências artesanais da escrita e dos significados que Motivos de Proteo adquiriam na vida de seu autor.
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Zanetti, Susana. 1994. “Modernidad y religación: una perspectiva continental (1880-1916)”. En: América Latina: palavra, literatura e cultura. Emancipação do discurso, vol. 2, editado por Ana Pizarro, 489-534. São Paulo: Memorial da América Latina; Campinas: Editora Unicamp.
Zubillaga, Carlos. 1999. “Libreros y editores gallegos en Montevideo”. Madrygal 2: 139-145.
Recebido: 10.11.2023
Versão reformulada: 11.02.2025
Aprovado: 15.06.2025
1 O artigo é resultado das pesquisas de pós-doutorado realizado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) entre 2022 e 2024, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na modalidade Pós-Doutorado Sênior (Processo (102147/2022-1).
2 Parte desta correspondência foi publicada, primeiramente por Hugo de Barbagelata, em 1921, posteriormente, em sua Obra Completa, organizadas por Emir Rodríguez Monegal (1957; 1967) e por Wilfredo Penco, Cartas de José Enrique Rodó a Juan Francisco Piquet (1980). Recentemente, alguns pesquisadores têm publicado artigos focando na relação epistolar entre Rodó e alguns intelectuais hispano-americanos, trazendo à tona cartas inéditas. Exemplo disso são os textos de Belén Castro Morales (2013), sobre a correspondência inédita entre o uruguaio e o cubano Rafael Merchán e os trabalhos de Raffaele Cesana (2022; 2017), sobre a relação entre Rodó e o venezuelano Rufino Blanco Fombona e os irmãos Ureña, Elena Romiti (2016) organizou um volume com as cartas trocadas entre José Enrique Rodó e Miguel de Unamuno. Nos anos 1940 seu Arquivo começou a ser organizado por Roberto Ibáñez, cuja distribuição metódica realizada pela equipe, o dividiu em 5 seções temáticas: Manuscritos, Correspondência, Impressos, Documentos e Testemunhos. A unidade correspondência foi dividida em três séries regulares e consecutivas: Cartas de Rodó, Cartas a Rodó e Cartas sobre Rodó, algumas destas cartas se tornaram prólogos de livros, ou foram publicadas em jornais e revistas como cartas abertas, mas sua maioria permanece inédita.
3 Carta de José María Serrano a José Enrique Rodó, 29 jan. 1901. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 26220.
4 Utilizamos aqui as cartas analisadas no texto de Donald F. Fogelquist, publicado na Revista Iberoamericana número 50, de 1960. A carta do poeta não foi carta não foi localizada no Arquivo Rodó. Agregamos aqui a explicação do possível motivo mencionada por Folgequist: Algumas das cartas que o poeta escreveu a Rodó foram devolvidas a ele por amigos uruguaios em 1948, quando Jimenéz visitou Montevidéu na companhia de sua esposa.
5 Em 1904 houve uma Guerra Civil, na qual se enfrentaram no campo de batalha as forças armadas do Governo de José Batlle y Ordóñez com as insurreições comandadas pelo caudilho Aparicio Saravia. Nela Houve um conflito bélico e um enfrentamento armado cruel (Gros Espiell 2002).
6 Carta de Francisco García Calderón a José Enrique Rodó, 18 ago. 1904. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27087v.
7 Carta de Francisco García Calderón a José Enrique Rodó, 1 out. 1904. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 15675v.
8 Carta de Francisco García Calderón a José Enrique Rodó, 3 jun. 1906. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27627.
9 Carta de José Santos Chocano a José Enrique Rodó, 10 dez. 1906. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27689v.
10 Carta de José Santos Chocano a José Enrique Rodó, 10 dez. 1906. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27722v.
11 Carta de Luis Schimdtkey a José Enrique Rodó, 21 mai. 1907. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27431.
12 Carta de Perfecto B. Lopez Campaña a José Enrique Rodó, 27 ago. 1907. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27490.
13 Carta de Perez y Curis a José Enrique Rodó, 23 out. 1907. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27510.
14 Carta de Baldomero Sanín Cano a José Enrique Rodó, 1 mar. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27805.
15 Carta de Baldomero Sanín Cano a José Enrique Rodó, 1 mar. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27805.
16 Carta de Baldomero Sanín Cano a José Enrique Rodó, 24 out. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27958.
17 Carta de Pedro Henríquez Ureña a José Enrique Rodó, 5 ago. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27923.
18 Carta de Rafael de Altamira a José Enrique Rodó, 20 jul. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27915v.
19 Cuaderno gráfico poético. Série Manuscritos. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 21484v.
20 Carta de Norbeto Estrada a José Enrique Rodó, 18 out. 1908. Série Correspondência. Colección José Enrique Rodó, Biblioteca Nacional de Uruguay (BNU), 27950.